segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Para que comecemos o ano tomando consciência dos obstáculos cotidianos

O mesmo lado da moeda – quem vê cara...

    Era uma manhã de sábado pouco ensolarado. O Cristo estava entre coberto, mas o centro da cidade estava, como de costume, cheio de gente. O ônibus diante do sinal de alguém. Era uma mulher um pouco aflita que pedia para tirá-la dali. Fugia com medo. Eram três que de repente a atacaram. Puxaram seu cordão com força, mas ao arrebentar ficou entre as batidas fortes de seu coração. Ainda estavam por ali tentando novas vítimas.
     - Olha lá! Atacaram a menina! A polícia ali na frente e ninguém faz nada.
    - Sorte que não levaram o cordão. Deve dá pra concertar.
    Da avenida presidencial, logo o ônibus passou por aquele lugar no qual o sagrado e a lembrança da morte conviviam na entrada da cidade. A vítima ainda atordoada lembrou bem da injustiça daquele lugar. Candelária banhada de sangue fez as pessoas se esquecerem que foi por defesa, porque o perigo iminente para qualquer cidadão de bem ainda continua. A justiça cega não via o que ‘eles’ faziam.
    São sujos, feios, bagunceiros e desbocados. Não respeitam ninguém! Mulheres, velhinhos, grávidas. São preguiçosos, não gostam de trabalhar e só querem levar uma vida fácil. Machucam as pessoas, quando não matam por uma moeda. Não dão nenhum valor a vida.
    - Mereciam umas boas porradas para aprenderem a lição!
    - O melhor era matar mesmo! Assim a gente podia andar pela rua em paz.
    - Matar não. Senão, a gente é que vai preso porque ‘eles’ são ‘de menor’. Basta uma porrada bem dada para quase morrer. Aposto que sossegavam!
    Examinou seu pescoço ainda com os arranhões que deixaram e desceu num ponto seguro, próximo ao aeroporto. Seguiu certa da lição de matemática, mas sem saber que ela se realiza todos os dias na cidade maravilhosa: três vidas por um cordão.


O mesmo lado da moeda - ... não vê coração.

    Estava perdida em meus pensamentos enquanto o sinal não abria. Estava frio e nublado. Só pensava em ir pra casa. Meu olhar devia ser vazio como quem olha a marca d’água sem colocá-la contra a luz. Num piscar havia uma mão: preta, suja, calejada e pequena. Parecia uma cuia a esperar que algo a preenchesse.
    Pisquei de novo, era uma criança. Ou melhor, era um menino com pé no chão. Vestia a máscara da fome e da pobreza. Seu silêncio falava por si. E automaticamente já sabendo da situação em que me encontrava, respondi:
    - Tenho não parceiro! Tô com o dinheiro trocadinho pro ônibus.
    De repente, ouvi um eco.
    - Parceiro?!
    A máscara caiu. Embaixo havia apenas um sorriso de criança. Logo a retomou ao rosto e seguiu seu caminho. Meu olhar, agora ainda mais perdido, encheu-se de paz e satisfação. A lição estava recobrada: “nem só de pão vive o homem”.

*Retrato de fatos da vida real.