segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Das coisas que o tempo leva e deixa saudades

Há mais ou menos 9 anos - posso ter errado a conta e aí já se vai uma década - existe um dia do ano em que tudo é lindo, em que o dia passa e a gente não quer que termine, em que as pessoas ficam fazendo horas para ir pra casa e esse momento é sempre com lamento. Há um dia do ano em que minha vida é cheia de graça, de risos, de abraços respirados, de bobices, de comidinhas, de vento, de carinho, de presentinhos, de colo, de desfrute. Daí que esse dia chegou, num dos anos mais difíceis pra mim, e eu esperava que ele fosse um respiro, um golpe de ar em meio ao sufoco. Esse dia foi ontem e ele terminou com um vazio.
O dia começa sempre algum tempo antes do dia em si. Começa com trocas intensas de emails para decidir a data, o local, os comes, os bebes e o presente - porque nós brincamos com o presente definido, todo mundo ganha o mesmo tipo de presente; um exercício de sempre redescobrir o outro e traduzi-lo num objeto. São emails de planejamento de um amigo oculto, o amigo oculto do grupo da Bio*. Um grupo de pessoas lindas que sabem o que é entrega, um grupo com quem compartilhei as piores e as melhores sensações e sentimentos, um grupo plural e tão cheio de amizade e carinho. O amigo oculto se transformou num ritual importante para celebrarmos a resistência ao tempo e às atribulações da vida adulta que nos afasta no cotidiano. Há uns 6 anos, eu acho, nós não nos encontramos mais às quartas-feiras para partilhar momentos de pura intimidade, o tempo do nosso grupo de Bio, com as aulas de Bio, acabou. Desde então, o dia do amigo oculto tornou-se ainda mais importante.O amigo oculto é então, na verdade, um processo que dura ao menos uns 2 meses. Começamos a trocar antes, no dia e depois. E isso nos preenche até o próximo ano quando tudo começa de novo.
Ontem foi o amigo oculto e tudo terminou com um lamento, uma melancolia. Uma sensação de que alguma coisa não estava lá, uma sensação de que faltou, como se um buraco estivesse ali. As pessoas chegaram, ninguém organizou bem os comes e bebes, a troca de emails teve até bronca pq quase nada se trocava, teve gente que faltou, metade do grupo foi logo embora pq tinham outros compromissos, teve gente que não conseguiu falar, teve gente que gostou do presente, mas poderia trocá-lo sem problemas sem motivos seus. Uma sensação de que era melhor ter visto o filme do Pelé. Teve risos, teve abraços, teve papo solto, mas não teve entrega - aquela magia que diferenciava o nosso amigo oculto dos outros.
E aí que fiquei pensando se isso não era culpa do tempo, que teima em levar as coisas embora e deixar a saudade no lugar. Fiquei pensando que a nossa resistência tinha diminuído e em algum momento baixamos a guarda e quando nos demos conta o "pluft" já tinha passado. Será o tempo? Será nossa memória que começou a falhar e a gente começou a se esquecer do que é compartilhar?
Sei que deixou um vazio com ares de saudade.

*Bio é uma abreviação carinhosa de Biodanza

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Medo, dos grandes - outro post diarinho

Quando 2012 acabou, eu dei "Ufa! Já vai tarde.". Foi um ano que passou sem trazer maiores surpresas, boas e más, mas foi um ano chato, difícil de se lidar e que se arrastou. Tipo visita chata em casa, sabe?! Este ano começou mal, passou mal. Uma ou outra flor brotou aqui e ali, mas foi mesmo um ano árido. Nunca me senti tão esgotada de energia ao longo de um ano como esse. Pois bem, dezembro tá aqui, né?! E aí? E aí, que junto com ele veio um medo, dos grandes, dos gigantescos, de que tudo possa acabar ainda pior que o ano inteiro. No reino do talvez, o tempo vira rápido e tempestade grossa não se acanha em chegar. Cá estou, carregando este medo bisonho e pesado nas costas, seguindo deslocada como criança que calça sapato da mãe. Medo, dos grandes, de que logo logo comece a chover.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Diarinho: o reino do talvez dói

Não costumo fazer daqui um diário. A verdade que toda metáfora e todas as ludibriações textuais que uso nos posts são mero fruto da minha ignorância em escrever diários. Não sei. Nunca consegui ter um de fato. No meio dos meus cadernos velhos existem vários diários inacabados, cheio de folhas em branco. Por isso, gosto mais de agendas, de blocos de notas, de fotos. A dificuldade reside num fato simples: a verdade. Escrever um diário é expor a verdade, aquela dentro da nossa cabeça que só a gente tem acesso. É preciso muita coragem para isso! Eu prefiro manter o reino da minha cuca (en) intocado. Tudo que escrevo é verdadeiro, mas com a magia da literatura porque meus textos podem ser o que o leitor quiser. Assim, não falto com a verdade e nem a revelo. Bom! Mas tudo isso para dizer simplesmente que este post tem tom de diarinho.
Estou em meio a um processo de talvez da vida. Talvez meu casamento termine, talvez ele se renove, talvez eu vá morar em outro país, talvez eu fique por aqui mesmo, talvez eu invente outra profissão para mim, talvez eu continue no hobby e faça um concurso público, talvez eu tenha novos amantes, talvez eu faça uma viagem solitária, talvez eu tenha um filho, talvez eu fuja da Copa, talvez eu reencontre pessoas importantes da minha vida, talvez eu me distancie de pessoas importantes na minha vida, talvez eu aprenda alemão, inglês ou espanhol, talvez eu leia mais literatura brasileira, talvez eu me fantasie no carnaval, talvez eu faça uma festa de 20 e restinhos anos, talvez eu fique careca, talvez eu chore no natal e não saiba o que desejar pro ano novo. Talvez eu escreva a coisa mais fantástica até então, talvez eu só fique feliz de a banca aprovar meu trabalho de mestrado. Existem tantos talvez, que talvez eu já me cansei. Desativei meu Facebook, estou quase sempre em casa, deixei de ir ao forró, a casa dos amigos, a casa da família vou quando dá. Reduzi meu mundo inteiro só para não ter que pensar, não ter que responder as mesmas e já velhas perguntas de sempre sobre a minha vida. E parece difícil as pessoas entenderem que não sei, que existem tantas e tantas coisas que podem simplesmente fazer mudar tudo, absolutamente tudo!
Daí que nesse universo inteiro de interrogações, uma amiga me enviou um link. Um post de um brasileiro que mora na Holanda falando sobre as vantagens e desvantagens de se morar num outro país. Tenho vontade de chorar só de lembrar. Li e pensei que droga era aquilo nesse momento em que estou. Escrevi para ela pedindo para não me enviar coisas do tipo, ela não me entendeu. E percebi que é mesmo difícil de entender, que as pessoas não imaginam mesmo quantas coisas pesam nesse momento, quantas emoções estão aqui, num caos intenso e sempre presente. Sei que fazem as mesmas perguntas porque se preocupam comigo e porque o que quer que aconteça também toca nelas. Mas eu só queria que entendessem que nesse momento é difícil demais administrar tudo isso, que minha fuga é a tentativa de criar um espaço e um tempo para eu aguentar o presente Talvez. E que, vejam só!, foi mais fácil falar disso justamente na forma que é a mais difícil para mim, num post diarinho. Tudo dói tanto que nenhuma metáfora, nenhum artifício literário fazem sentido, tudo beira o insuportável.
Só quero um tempo, o meu tempo...

domingo, 10 de novembro de 2013

Casinha branca

É difícil não sentir o amor voltar. É difícil ouvir o silêncio, a ausência do eco.
É difícil se trair e se contrair tanto quando é o momento pra se expandir.
É difícil não voar quando as asas estão tilintantes, quando a saudade da nó nas tripas, quando os olhos se arregalam ante a beleza de tudo no mundo que tenho negado.
É difícil manter a cara de mármore grego, aspecto divino que me falta há muito.
O anseio exorbitante pela paz que só vem com a simplicidade de ser quando me reprimo para caber, para alcançar o que só a liberdade dá.
Um cansaço de guerras em vão.
Um desejo de ter uma casinha branca de varanda para ver o sol nascer.


terça-feira, 5 de novembro de 2013

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

sábado, 19 de outubro de 2013

Sorvo*

Eu quero a vida.
Por baixo da pele que acaricio com minha língua branda e rude, grossa e suave, a pele que faço recuar e expor a carne.
E é a carne rubra, pulsante e viva que eu encarcero em minha boca, enlaço com minha língua ardilosa, provoco com meus lábios sem feri-la com meus dentes, de novo e de novo.
Bálsamo danador.
Eu a desvelo, eu a provoco, e a tento até que ela me entrega seu segredo em um jorro de calor que sorvo, voraz.
Que seja maculado meu sangue.
Que seja maculada minha própria carne.
Eu quero a vida além da pele.
Desmascarada.
Verdadeira.

Sem culpa. Sem medo.
Fogo e enxofre não me assustam.


*Poema retirado do livro Noturna e outras poemas, do meu queridíssimo amigo Cláudio Duffrayer.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Conchinha

Outro dia sonhei e acordei com sensação de nó nas tripas. Era sonho mesmo... Sonhei com invisibilidade, rejeição, troca, ciúmes e sufoco de sentimentos. Acordei tensa, muito tensa.
Já tem alguns dias que estou assim, carecendo de tudo e de todo mundo. Carecendo de abraços, de sol, de mar, de beijos, de carinho nos cachos, de risos, de dança; de tudo, menos de perguntas. Afinal, carecer faz parte.
Queria colo, dormir de conchinha, cozinhar junto, contar histórias, ouvir histórias, rir de histórias. Careço insanamente... E porque careço, me sinto só. Falta espaço pra ser, eu acho.
Queria dormir de conchinha...

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Das folhas secas e outras coisas que o vento traz

O dia foi estranho, cheio de pequenos rebuliços. Queria ter pedido alguns minutos de silêncio e afago num colo. Não tive coragem, é difícil se entregar às vezes. As lágrimas estão presas atrás dos meus olhos, ameaçando com desdém arrebentar. Eles até doem.
A morte sempre foi estranha a mim, a conheço só de vista. Mas dessa vez ela resolveu chegar mais perto e trocar uma ou duas palavras. Foi estranho porque de algum modo no meu íntimo, eu sabia que chegaria mais cedo. E senti-me até culpada porque era como se eu a convidasse.
Algumas mudanças quando parecem vir de verdade assustam um pouco. Uma sensação de vento forte com poeira nos olhos, cabelos batendo, ruído no ouvido, roupa voando e mundo girando. Por isso, também foi estranho.
Hoje eu me visitei no passado. Corcunda, com um esboço de sorriso amarelo, cara de fuinha, cara de quem não sonha, cara de passividade. Foi estranho me ver tão presa, tão pequena. Um pouco de orgulho por ter superado aquilo, mas muito mais de uma certa vergonha - daquelas que a gente sente pelo outro. Eu era uma moça bem comportada...
O amor, o desgaste do amor, as feridas abertas estão aí. E vendo nos outros aquilo que está em nós, deu um nó na garganta, um aperto no peito. Foi estranho ver nos outros nossos erros e as perspectivas. Vi uma vez: "o amor é feito de dois gumes: um, amar e sofrer; o outro, não amar e sofrer mais.". Hoje vi por duas horas.
Hoje o dia saiu completamente fora do script, cheio de pequenos rebuliços. E eu ainda estou aqui engasgada com um monte de angústias, saudade, tristeza, lamento e medo. Parece que acabei de sair do mar...

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Das outras em mim...

Seria pequena demais se eu fosse só uma. Porque a vida é tão infinita que é quase uma obrigação nossa diante da felicidade sermos muitos, uma multiplicidade inteira num único corpo - que nem é tão único assim.
E essas outras de mim nascem e morrem, e se refazem como a Lua mantém suas fases. A boca que beija o Rico é tão outra quanto a que beija o meu amor, meu irmão, meus amantes, minhas divas. E também o meu riso é outro, meu carinho, meu afeto, meu toque, meu lamento e minhas lágrimas. Porque nenhum amor é igual e cada estímulo, cada vida que sopra em meu rosto, é capaz de despertar em mim coisas tão singulares, tão díspares.
E as outras que habitam este corpo convivem, coexistem. Às vezes em conflito, às vezes fora de tom e às vezes bailando. Mas todas, absolutamente todas, se deixam em entrega quando são requisitadas. E isso é que faz a diferença entre ser uma pessoa falsa e uma pessoa diversa.
Alguns são tão pequenos que são incapazes de compreenderem que o amor é incompatível com o egoísmo, que jamais ele foi criação de um só, pois a gente se faz no outro. Nenhuma identidade se faz só. O que é o amor senão uma identidade? E as outras de mim são plenas desta verdade. Elas amam, elas se entregam, elas vivem...
Das outras em mim, a minha alma!

sábado, 21 de setembro de 2013

Desconexo

O encontro foi seco, combinado ao acaso. O primeiro contato foi vazio de afeto, carícias e acolhimento. Era como se ambos fossem só conhecidos distantes. Quem visse de fora não imaginaria que eles trocaram carinho, beijos, mordidas, apertos, lambidas. Além de pequenas confidências triviais. O que se seguiu depois de minutos de silêncio, sentimento de deslocamento da parte dela, fuga para o embalo das ondas, vontade de se afogar ali na imensidão do azul e na sua calma espumante, foram palavras desconexas. Uma discussão que nenhum dos dois sabia o que era afinal, repetiam como vitrolas discursos prontos e velhos. Era só reflexo da desigualdade de desejos. Ao final, abraçaram-se algumas vezes. Talvez breve refúgio um no outro, apesar de tanta coisa desconexa jogada à maresia. Ela fitou-o por alguns segundos chegando a conclusão que gostava mais do que devia de alguma coisa que não sabia bem o que era. Devia dizer adeus para não sofrer com aquela ausência, o salva-vidas dele. Por um segundo a emoção veio e quase se arrebentou em lagriminhas, mas conteve-se. Ele pensou que ela seduzia-o, ela negou, ele teve certeza que sim. Talvez ele já estivesse seduzido por alguma coisa que também não soubesse identificar ou talvez só sentiu o afeto que beirou os olhos dela ou talvez... Talvez só ele possa dizer o que foi. E foi assim, que na primeira noite de verão, à beira do mar, sob o brilho longe das estrelas, envolvidos por uma neblina leve de maresia, um adeus se fez sem ser dito. Dito mesmo foi só um "Até!" respondido por um sorriso. Até o adeus foi desconexo, mas deu um aperto no peito.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Cansaço (de novo)

Estou cansada de ser vista e tratada como um pedaço de carne.
Estou cansada de escolherem por mim o que é para mim.
Estou cansada de contatos superficiais.
Estou cansada de falsas disponibilidades.
Estou cansada de displicência e descuidados.
Estou cansada de ser compreensiva com pequenos abandonos.
Estou cansada de ser só personagem.
Estou cansada, cansada e cansada!

"Retira, pois, a expressão, alma sensível, castiga os nervos, limpa os óculos - que isso às vezes é dos óculos - e acabemos de uma vez...". Machado de Assis

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

(Pré) genealogia conceito

Minha avó era negra. Tinha a pele escura e era baiana.
Meu avô era descendente de português. Era branco, careca, banguela e por demais risonho.
Minha mãe tem a pele branca. Minha mãe tem lábios grossos, nariz de batata, cabelo crespo. Minha mãe tem cabelo crespo, ruim, pixaim.

Minha avó tem cabelo liso, pele queimada de sol e um sorriso doce.
Meu avô tem cabelo liso, pele queimada de sol e uma ranzinzice constante.
Meu pai é paraíba. Meu pai tem cabelo liso, cabeça amassada na parte de trás - como de todo paraíba -, pele queimada de sol, pouco pelo no corpo.

Eu nasci branca, careca e gordinha. Eu tenho a pele queimada de sol, cabelo crespo e meu apelido era Olívia Palito. Eu tenho a cabeça amassada na parte de trás - como de todo paraíba - e tenho cabelo crespo, ruim, pixaim.

Alguns me chamam de morena, mas a verdade é que minha pele tem essa cor marrom clara mesmo sem eu tomar sol. E pardo não existe! Também meu nariz é uma batatinha. Os bicos dos meus seios não são rosados, são marrons. Meu cu não é rosado e minha avó era negra.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Acabou chorare

Há dias tenho tentado escrever. Há dias estou sofrendo.
Uma grande amiga está sofrendo por causa de um processo longo e delicado da deterioração humana. A sensação de que a morte poderia bem ser uma ótima visita mesmo que muito doída.
Uma outra amiga também está sofrendo. O risco de um aborto de um amor tão prematuro, um amor tão ansiado, tão necessário. Os dias que vivemos são inóspitos ao amor.
Outros amigos tentam se refazer a cada dia, estão ocupados tentando sobreviver.
O meu amor também está sofrendo. Sofrendo pela distância que nos oprime, pelos medos assombrosos, pelas diferenças que se agigantam e pela fraca capacidade de enfrentar o mundo.
E eu que cresci para cuidar dos outros, para tê-los perto, para dar colo, para ser suporte, estou longe. E por isso sofro também. Mas a verdade é que tão pouco poderia ajudar se estivesse perto porque hoje sou eu quem careço.
Uma cachoeira inteira deveria jorrar de mim, mas só eu sei que isso dói mais que um parto. Justo eu, que sempre me desaguei pela vida, sem constrangimento, sem medo, sem correntes. Por isso, dói ainda mais.
Ainda mais difícil é deixar-me entregue para ser cuidada. Ainda mais difícil é dizer que não está tudo bem, que preciso ajuda e que igual ainda não sei ao certo o que me atormenta e me paralisa. E não é por orgulho, é pelo costume de ser bengala, é pelo medo de me expor tanto e não contar com um porto, é pelo modo automático de sobreviver.
Preciso me encontrar.



"Acabou chorare no meio do mundo
Respirei eu fundo..."

sábado, 17 de agosto de 2013

Dos desencontros (ou um capítulo infeliz)

Acontece que nessa vida a gente esbarra em tanta coisa, em tanta gente. E eu sou um tanto ingênua e romântica com a vida, com os encontros, com tanta coisa e tanta gente. E vi em alguém o melhor dela num cruzar de olhos em que eu expressei o melhor de mim. Mas o melhor de alguém tem tamanho. E era tão pequeno aquele melhor...
E eis que um encontro deixou-se em desencontro, pela pequenez de ser, de viver e de ver a vida sem ingenuidade e romantismo. Quisera eu não ter arrependimentos de conhecer o melhor de alguma coisa que passa. Mas o bom é que passa.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Gente-flor

Em campos inóspitos também brotam flores. Não são quaisquer, pela resistência que mantém, e tampouco são heroínas, pela natureza de serem o que são - flores de campos inóspitos. É que a beleza deve mesmo existir onde lhe carece.
De quando em vez, na folga do vento me levar, caio eu num desses campos. Queimam meus pés, secam o ar e encobrem a vida, esses campos. Mas elas floreiam assim mesmo, na insistência de ser. E eu perdida por ali, esbarrei numa vida de tanto sorriso, de tanta graça e de tanta leveza de ser. Que saibam todos: por ali existe gente-flor!
[Sempre Gabriela...]

domingo, 4 de agosto de 2013

Submundo

   - Eu te atravesso! - murmurou para si como se dissesse ao pé do ouvido dele. Esse era seu desejo naquele instante, mas o vazio na casa fez com que murmurasse para si própria. Ele não era mesmo dali e só foi concebido na vida dela por uma travessia travessura da noite. Aquele peito de imensidão de mar, onde ela costumava se jogar às vezes e se deixar no embalo rítmico da pulsação, muitas vezes secava. Estava melancólica. A solidão sempre é.
Ela comia, respirava, estudava, trabalhava, dormia como qualquer outra pessoa. Mas era mesmo pessoa outra no olhar, no riso, na entrega, no anseio de amar, na falta do medo, na coragem de afirmar e bancar seu desejo. E essa mistura aparentemente contraditória é que formava o mistério que o atraiu. Ela era paradoxo! Personagem real da história que ele gostaria de ler e de também ser personagem.
Não se sabe o que os aproximou em tantos momentos, se foi o tato ardente, as letras pungentes ou o reflexo exigente. O que se sabe é que eram cúmplices, mais do que tudo. Cúmplices num submundo dos desejos, dos íntimos e das verdades não ditas. Ali era o espaço desse encontro.
Ele era autor e crítico da vida que levava. E ainda mais, era um leitor exigente, difícil de ser cativado. Se deixava levar com o vento, guardava um punhado de sorte no bolso, mantinha as advertências onde não pudessem perturbá-lo. Mantinha um super ego carrasco com as regras libertinas que criara para si e de quando em vez se permitia ser sincero com seu orgulho, ego e imagem. De resto, tentava ser o que faltava no mundo.
E não há cumplicidade maior do que aquela entre o autor-crítico-leitor e a heroína. E nenhuma atmosfera dessa travessia pode ser outra senão a de um tabu. Por isso, o submundo é o abrigo dessa incestuosa lateralidade.
  - Minhas verdades gritam teu nome!
  - Meu corpo anseia tudo que é teu. E tudo que você tem fui eu quem desenhou.
  - E toda vontade e todo desejo me leva pros braços teus, pros braços meus, pra qualquer saudade morrer.
E ela estava mesmo ensopada. Como quem sai do banho sem aparo nenhum e o líquido é parte do corpo também, um rastro de si no caminho. E ele se fazia como devia ser, detentor de todo poder (concedido). Uma tonicidade que emergia de cada poro, de cada tato. Ao fundo, as palavras sempre bailavam com a sedução do nu e do velado. Era também amor, como não podia deixar de ser. Afinal, como não amar a quem nos faz liberdade?
O medo rondava por ali, cercando os dois vez por outra. É que aquela relação sempre tivera muito mais do não dito, do inominável, do livre, do que qualquer outra coisa. Era submundo para eles também. Por isso, às vezes enroscavam seus corpos num abraço inteiro buscando preencher-se um com o outro. E o silêncio era quem mais falava as verdades temíveis.
  - Ata-me!
 Fora dali, não mais que transeuntes, conhecidos, colegas e até amigos. O mundo dos homens permite muito menos que o das verdades. E eles eram vazão! Mas aqui, na vida de todo dia, todo mundo é e faz tudo sempre igual. E a gente segue se esbarrando por aí, sem saber além da imaginação quantos submundos se criam e quanta gente se faz em outra história no silêncio do que não se vê.
  - Eu te atravesso! - ouviu ela um murmúrio ao pé do ouvido.
  - Eu te atravesso.




segunda-feira, 29 de julho de 2013

Cuidado

Às vezes o que falta em você é o cuidado. Cuidado em considerar o outro, sua existência, seu espaço, seus processos íntimos, seus passos, seu recolhimento. Cuidado de não se manter à distância, mas justamente de se manter próximo apesar de e com todas essas considerações. E manter-se próximo não é o mesmo que adentrar, que sufocar e que se fazer presente a qualquer custo. Isto eu dispenso! Melhor a solidão, que sempre sabe o seu lugar.
Você me olha e não me vê.
Você me olha e vê seus medos.
Você me olha e vê seus desejos.
Você me olha e vê seus sonhos.
Mas não me vê...
E eu posso tocar e até atravessar seus medos, desejos e sonhos, mas não nos confunda; não sou nenhum deles! Então, me tenha com cuidado.
[Rachaduras são pequenas, mas não deixam de ser fraturas na estrutura.]

quarta-feira, 17 de julho de 2013

De um tempo em que aprendíamos a amar

Comecem com "Metade" e depois sigam para "Léo e Bia"!

O impreciso, que é o futuro

Eis-me aqui sofrendo pelo incerto, pelo inseguro, pelo medo da neblina do futuro. Justo eu que sempre soube ao menos o que não queria e que desvios eram necessários para evitar a infelicidade de ser. Encontro-me agora no branco, numa página inteira em branco, tentando reinventar-me mais uma vez.
E quantos soluços já me escapuliram? Quantas olhadelas para o chão dispensei? Quantas tentativas vãs de estar no eixo de novo? E quantos desejos emergiram de tanta coisa boa...
Saudade do que não vivi...

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Presentinho Leminski de aniversário coletivo

Esse aqui eu ganhei de presente do aniversário da turma, em 2006. O olhar apurado de Iva caçou em Leminski meu anseio (de sempre).

"Sossegue coração
Ainda não é agora
A confusão prossegue
Sonhos afora
Calma, calma
Logo mais a gente goza
Perto do osso
A carne é mais gostosa."

E 2007 foi um ano e tanto...

Desabafinhos em folhas de um bloquinho (daqueles que não nos largam) que o vento trouxe e a finitude deixou guardado na caixa das lembranças.

****
1.
Ousadia do simples me excita.
Criar o futuro sem pensar no que fazer é mais uma aventura que eu embarco.
O fim é inevitável, o caminho é escolha.
A vida perde graça se não há surpresas.
Qual será o próximo presente?

****
2.
Minha vida está uma merda.
Merda de vida!
Nem o túnel do tempo seria capaz de mudar o que se sente hoje.
Sigo só no meu caminho procurando reencontrar-me e criar-me.
Merda de vida!
Nem a memória é capaz de recuperar o passado e dá-lo vida a ponto de se tornar presente.
Sigo num caminho que desconheço, ao qual todos são familiares e altamente estranhos.
Merda de vida!
Qual a minha turma?
Qual turma poderia ser minha?
O que faço com as ideias?
O que faço comigo?
Mais uma vez (e sempre) o incerto reina soberano.

ps.: saudade de mim.

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3.
Não tenho medo da morte!
tenho medo de morrer e não me despedir.
Não tenho medo de sofrer!
tenho medo da dor da perda; ela é a pior!
Agora, tenho medo de iniciar a rotina com o aviso de que um amigo não está mais no lugar em que deixei. De perceber que o vento o levará para longe.
Longe! O lugar em que não se sabe se existe de fato ou se não passa de um lugar no meio da sua fé.
E quando foi a última vez que nos falamos? Nem lembro...
Como dói!

Ao meu amigo virtual De Souza.

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4.
É a sinuca de bico de novo.
É o mundo dando voltas.
É o receio do suposto novo.
É a confusão que segue afora.
É a mesma pergunta de sempre: o que fazer?
É o medo de descobrir o que já se sabe.
É o desejo de não existir.
É a dúvida de saber se o melhor caminho é você!
O melhor caminho sou eu?
Que saudade do bom, do diferente, do compreensível, do mágico.
Ser raptada pela lembrança e se perder no passado é o desejo perigoso que se tem.
Por que fugir?
Medo? Covardia?
Destino? É o J quem diz!
E o A, B, C...? E o S?
Inquietação!

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5.
Minha terra não dá amores.
Minha primavera depende da beleza de outras flores.
Conto apenas com a sorte do vento, que me traz e depois leva todos os meus prazeres.
A memória é companheira.
A saudade é carrasca.
Vivo como quem caça vagalumes...
Pura poesia! Pura angústia!

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6.
Pinga, ácida, sobre a armadura que a saudade me colocou, uma ansiedade.
Corrói a dor da distância e deixa em carne viva a felicidade de amar.
[A liberdade é meu caminho e o amor o meu cantar. Podem prender o passarinho, mas nunca me impedirão de amar.]

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7.
Desejo que você tente me engolir.
Assim, seca!
Rasgando a garganta com a aspereza do meu ser, amargando a boca com o fel da minha liberdade.
Desejo que sua consciência provoque uma indigestão e que você vomite toda a sua hipocrisia, sua amargura, sua ingenuidade de quem não vive, mas passa pela vida.
Porque eu sou alimento para não engolir, para não comer.
Sou para alimentar a alma de grandes e não de pequenos. Porque em pequenez de coração não cabe a vida.

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8.
Quisera eu ser a senhora do tempo para realizar os caprichos do amor, para me perder em divina felicidade.

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9.
Doeu e ainda dói.
Mas sofrer é um velho esporte que meu coração pratica.
Não é a primeira e nem será a última.
Para guerreiros, uma boa luta é sempre bem-vinda.
O que sou senão uma guerreira?!

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10.
Prefiro uma verdade que me caia como um tapa na cara do que uma mentira que me venha como uma rasteira.
Covardia sempre requer uma boa dose de egoísmo e de sacrifício do outro.



domingo, 7 de julho de 2013

Não amar é (ou, "quem tem medo do lobo mau, lobo mau, lobo mau?)

Quem tem medo do amor? Ele é indelicado sim, extravagante, exagerado, egoísta... Cavalo sem rédeas! Mas e daí? Não amar é tão pior que tudo. Ah! Não me venha com essa de sofrer?! Um monte de coisas te fazem sofrer, até mais do que o amor... (Esse medo de amar, por exemplo!) Mas poucas coisas, pra não dizer só ele, nos deixam aquelas lembranças. Aquelas que dão ar de bobice na cara, que solicitam sorriso de canto de boca, que sacam suspiros, que mordem os lábios, que reviram olhos, que vibram ares nostálgicos. E como a vida passa e o tempo é senhor de todas as coisas, não são essas lembranças que nos compõem? Não amar é tão pior que tudo... Não amar é vazio, é frio, é deselegante, é aterrador, é solitário, é egocêntrico, é pequeno. Pedras não amam! Galhos também não. E que vida tem graça de ser contada sem amor?
E se não existisse amor na Terra haveria apenas mecânica! É, mecânica! Máquinas não amam. Movimentos mecânicos funcionam por força, nós funcionaríamos por força. E só pararíamos por desgaste, falta de óleo. E nenhum parafuso chora pela rosca cega de sua porca. Nenhuma engrenagem se arrepia por se encaixar no outro, apenas segue encaixando. Máquinas apenas seguem seus movimentos próprios.
Pra que querer ser máquina quando se pode ser só poesia?

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Ridicularia

As últimas semanas foram de tufões. Daqueles que arrastam a casa inteira e te transportam para outro mundo. É difícil escrever quando estamos tão perdidos. Não escrevi. Escrevo agora porque preciso respirar de novo. E essas letras rasas são um desabafo, puro, simples e pesado.
Sofri para ignorar as primeiras movimentações de luta. Sofri para decidir embarcar nelas. Sofri por estar nelas. Sofri para tentar contribuir. Sofri ao ver tantos erros repetidos, tantos discursos enlatados, tanta cegueira quando era crucial sermos lúcidos. Sofri pelo luto equivocado, vazio e de aparências. Sofro para largar tudo isso que remexe no meu passado, nos meus sonhos, na minha visão de mundo, no meu presente e no meu futuro.  E como dói cada parte desse processo...
Preciso seguir em frente, preciso seguir.
E Lima Barreto foi evocado para lembrarmos de que "a vida é uma ridicularia" e nos deixar sem resposta lógica, óbvia, leve sobre "o que é que enferruja tanto a nossa alma". Podia ser só espuma, mas que oleosa é essa vida?!

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Homo nu

O universo masculino é recheado de permeios, de hesitações, de desfaçatez e de riscos. Tudo muito mergulhado em liames diversos e tênues. Mas se tem algo comum na crueza do universo masculino é a covardia. Os homens são covardes! Simples assim, sem invenções e demais explicações. Covardia nua. É um tipo de covardia infantil, cheia de pirraça, de raiva reprimida, de vergonha camuflada, de medo sufocado. Daquelas que um menino sente quando erra com alguém, mesmo que o erro seja acidental. Vai ele assumir que errou? É mais fácil inventar uma guerra inteira do que expor a fragilidade. Porque se tem uma coisa que não cabe no universo masculino é a fragilidade! E como os homens sofrem com isso... E como são covardes em permitir um espaço pra ela...
Mas a covardia masculina fere a todo instante o universo feminino, quando trituram cada força dali para impor a ilusão de uma coragem, sobre-humana. O menino errante covarde teima em não encarar a mãe, teima em utilizar todos os seus subterfúgios do que se permitir ser errante. E nas horas do erro, nas horas da fraqueza, toda mulher parece ser vista pelo prisma maternal, com autoridade para cobrança. Mal sabem eles que os enfrentamos sempre (e mais) como se fossem nossos pais, porque para que possam negar suas fragilidades eles nos atacam com o ar de autoridade devida. E mais hora ou menos hora a covardia masculina nos alcança, mulheres. 
Ela me toca quando o homem confunde compartilhar com possuir, elogiar com exibir, expressar com supor, conversar com fugir, acolhimento com cobrança, pegar com tocar, permissão com obrigação, afeto com tesão, convite com força.  Ela me toca quando resolvem escolher por mim!  Que saibam todos: nenhuma coragem  prescinde da fraqueza!


terça-feira, 28 de maio de 2013

Paris

Ir a Paris poderia resolver todos os problemas, acalmar os anseios e diluir as angústias. Quantas pessoas não desejam todos os dias, entre suspiros e leves sorrisos, ir a Paris? Eu queria poder me livrar dos apertos que me acompanham, da sombra solitária que não me larga e do eco que ocupa meu espaço. Mas minha Paris é outra! Busco um refúgio. Qualquer espaço que aceite ser Paris e me acolha e me envolva nos momentos em que preciso largar de mim... Naqueles momentos em que já não é mais suportável a árdua tarefa de escolher meu caminho, de fazer com que ele exista. Porque, às vezes, o cansaço se apossa do corpo alheio.
E Paris podia ser um peito fraterno, um abraço respirado, um humor lançado, um beijo estalado, uma música cantada ao pé do ouvido. E podia ser tudo isso junto! Procuro alguém que aceite ser minha Paris! Um porto, fixo e receptivo. Meu porto seguro, meu refúgio, onde me escondo para me refazer. 
Enquanto Paris continua lá longe, me carrego com o peso de aprender a viver só... Porque Paris pode não existir além do meu anseio. Mas quando me perguntam como vou, nos meus pensamentos, respondo sempre "Eu quero ir a Paris!".

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Inteireza

Antes que a razão pudesse sequestrar minha mente e mudar seu rumo, a música, a companhia, o movimento e a dança sequestraram meu corpo e fizeram dele coisa incomum. Meu corpo, morada de tantos sorrisos, gracejos, angústias, tormentos, amores e dores... Meu corpo refez o meu estar no mundo. Não precisou de muitas teorias, nem de pensamentos filosóficos, nem de sentidos conscientes. A vivência fez pulsar entre o desagrado, desagravo e o sublime. Bastou sentir!
Coisa incomum fiquei, virei. Na excepcionalidade de viver fui, como outros, seguindo em frente, refazendo a vida, reescrevendo o futuro, me reinventando. Tarefa árdua e pesada, mas tão compensatória essa liberdade de coisa incomum. E depois, só depois, a razão veio e completou o que carecia a vivência. E não era sentido! Eram as ferramentas para um estar fluido e conciso no mundo.
Hoje sigo na inteireza de ser, na fluidez de passar, no toque de amar, nos saltos para voar, na tonicidade de sentir, na intensidade de compartir, no cuidado do encontro, no acolhimento do outro, na sedução do gozo e na proteção do permeio. Hoje sigo coisa incomum na excepcionalidade de viver!

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Aconchego

Hoje perguntaram-me se eu estava feliz porque sorria muito. (Sim!) Também estava extasiada, preenchida e leve. Na hora não me dei bem conta das razões para felicidade tão oportuna, mas depois reconheci o que me tomava em demasia. !

Aconchego

Dos encontros fortuitos e tão realizadores,
dos sorrisos saudosos que gracejavam no ar,
das telepatias que matam saudade,
dos rodopios e arrasta-pés,
das gargalhadas e desventuras partilhadas,
das resoluções,
dos ganhos,
dos prêmios,
da compreensão,
dos diálogos,
dos desconcertos e sustos,
das cores que pintam as lembranças,
e dos abraços gratuitos, acolhedores e perfumados.
Vinte e quatro horas de puríssimo aconchego! (rs.rs.rs.rs.rs.rs.rs...)

domingo, 5 de maio de 2013

Onde habita o feminino

Aquilo bateu em mim como uma facada no útero...
(E desde quando o útero dá conta do que é o feminino?)

A primeira vez que conheci o sexo, beirava os 20 anos de idade. Foi uma escolha livre e consciente de o conhecer somente quando o meu corpo encontrasse a liberdade de ser corpo, de pulsar em seu desejo e não no alheio. Para isso nenhum príncipe precisava existir, nenhuma ilusão de que a primeira vez devia ser fruto do amor. Era uma questão prática, mas também de sentimento íntimo por mim mesma - o mais difícil de alcançar.
Conhecer o sexo... Que posso dizer além de um trocadilho tosco, mas verdadeiro - foi um prazer! Foi o primeiro passo na conquista do feminino. Ainda era uma menina, madura, mas menina... Um rascunho mal desenhado de uma mulher. Não queria ser mulher. Assumir esse nome que nada tinha com um rosto infantil, um corpo infantil - o mesmo desde os 14 anos de idade. (Ainda hoje me pergunto se o cara com quem transei a primeira vez não tinha um certo gosto pedófilo.) Eu não queria mesmo era crescer, arrastar as correntes da vida adulta - vida de trabalho, de sobrevivência, de sofrimento. Como o tempo é inexorável e devastador, não resisti por muito tempo e nem sem dores.
O que mais gostei do sexo foi me realizar, despertar partes desconhecidas e deixar o corpo falar. E como o corpo fala... Mas não foi o sexo que me tornou mulher. O contato com o universo do masculino é que me fez mulher, mais do que isso deflorou o meu feminino. Mas não no que se pode pensar em termos de uma "ordem natural" das coisas. Foi na limitação do masculino, no seu inevitável cansaço, na sua pequena morte de prazer que me vi tão incompleta e tão insatisfeita.
O feminino, que antes julguei tão limitado, mudou de tom, de cheiro, de sabor e de sentido quando me toquei. Por que ao toque precede o desejo, a sedução, o irresistível, o apreço, o afeto. É preciso que o feminino se torne a contento, que tenha contorno, adorno, maciez de ser. Ali, eu me fiz mulher! Livre, independente, leviana e banida do paraíso.


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Há muito vinha desejando uma aparição. Um rosto suave de sorriso largo e olhos reluzentes como de uma coruja. Uma aparição que me roubasse da minha vida por um tempo e me jogasse em mares que eu nunca naveguei. Uma aparição que do lugar do feminino me conduzisse a um prazer de tantas fantasias.



Ontem em meio a tanta coisa estranha, tanta gente de outro planeta, tanta diversão com nada, num lugar tão fora de lugar, encontrei um cantinho tão quentinho num sorriso. E o sorriso vinha acompanhado de uma mulher com jeito doce de menina, uma descontração, um lamber de lábios antes das palavras, uma gentileza que se fazia próxima. Deus! Como me senti atraída por aquela mulher?! Um sentimento estranho de desejo e de desconcerto. Queria que tudo ao redor ficasse em suspenso para poder conhecer aquele cantinho e quem sabe descobrir um mundo ali. Ao mesmo tempo não tinha ideia do que ser. Um medo de invadir aquele espaço, de não reconhecer o limite - de certo algum limite havia.
Nunca estive com alguma mulher, mas há tempos já conheço o feminino. Gosto do feminino. Em relação a mulher, não se trata de curiosidade, nem de safadeza, nem preconceito, nem repressão. Trata-se de ocasião. Nunca uma ocasião favoreceu um encontro desejoso. Nunca até ontem. De minha parte, ficou a vontade, um querer mais. De ambas, uma possibilidade de contato qualquer, trivial.
Hoje, meu corpo deseja imensamente aquele lugar: corpo leve, gentil com o espaço, risonho de ocasião e convidativo em interesse. Meu ventre queima e agua, meu coração acelera enquanto mil fantasias inocentes passam pela minha cabeça. Não posso imaginar seu corpo. Nenhuma visão em detalhes além de rosto, cabelo e mãos foi possível. E me pergunto como pode ser tamanha reação...

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"É preciso ter ainda um caos dentro de si para gerar uma estrela que dança."
"No mundo as melhores coisas nada valem se não houver alguém que as ponha em cena." (Nietzsche)





Toque

Contato a gente faz assim, nas palavras não ditas, nas lágrimas contidas, nos aterradores gritos em silêncio. Shhhhh! É bom prestar atenção no que os silêncios dizem, cantam, ecoam.
Contato a gente também faz nos sorrisos resistentes, nas piscadas, no saltitar de sobrancelhas, no ritmo cardíaco acelerado. E há ainda todos os tremores, apertos e retorcimentos que o corpo diz. E todos eles se vestem de silêncio.
Ficaram ausentes as palavras, mas não o contato.

sábado, 13 de abril de 2013

o amor sumiu ou se escondeu?

Um dia nós fomos livres, leves e amados.
Mentira! Poucos dias fomos leves, poucas vezes fomos livres. Mesmo assim o amor estava ali.
Sempre houve tensão, brigas, conflitos, desentendimentos e diferenças. Mesmo assim o amor estava ali.
Hoje estamos como corpos arrastados pelas ondas, sem controle, desorientados e se arranhando na areia. E o amor? Resolveu brincar de se esconder. Tomou chá de sumiço e deixou para nós a grande responsabilidade de nos aturarmos sem ele. 
Queria que fosse diferente. Mas parece que eu já não caibo mais no seu olhar.
E eu, de fato, já não tolero mais ter menos. Sei que em tempos de cólera racionar seria prudente, mas acontece que fui prudente todo o tempo, me dei inteira e você aproveitou metade para só dar metade. Agora, eu vou me dar inteira para mim.
Se o amor vai voltar? Se em nós ainda existe sua morada? Não sei.

quinta-feira, 28 de março de 2013

E quando tudo parece difícil? Quando a gente tem vontade de gritar, chorar e se descabelar ao mesmo tempo?! E quando o tempo não é suficiente? E quando as palavras ficam entaladas na garganta? E quando a gente precisa reprimir as palavras doces diretas e ter de disfarçar o que se sente porque os outros podem se assustar? E quando a gente precisa ser cuidada e não tem ninguém de plantão? Ou melhor, e não tem quem você deseja disponível?
Hoje, percebi que quando as coisas estão difíceis preciso de um porto, um lugar para cair e pousar. Um abrigo, um ninho, um aconchego. Descobri também que fico feliz com algumas disponibilidades, mas que só alguns portos podem realmente me ter. Não se trata de uma exigência, mas de reconhecimento. Em alguns lugares a gente se reconhece mais, não é mesmo?!
Hoje queria ter o porto...


segunda-feira, 18 de março de 2013

Deu bicho

Saudade é bicho estranho, que cruza seu caminho sem você notar e depois... vixi! Deu piolho! Um lastro de lêndeas, uma coceira pertubadora, mas por vezes gostosa. Um trabalho árduo de ter que matar na unha para amenizar.
Saudade é bicho estranho. Grudada que nem carrapato, te suga, cresce e ainda deixa ferida quando você arranca.
É igual pernilongo que fica zunindo no teu ouvido, dando picadas aqui e acolá. Os tapas não resolvem e só ampliam o sofrimento.
Saudade é bicho estranho. Ela vem de mansinho, sorrateira. E de repente, que nem barata, dá uma voadora para cima de você. Você dá uma chinelada, ela se finge de morta e quando você menos espera está zanzando de novo.
Saudade é bicho estranho. Igual verme de lixo, aparece do nada em quantidade suficiente para dominar tudo. Difícil de se livrar, pois sempre fica algum perdido em algum lugar.
Saudade é bicho estranho...
Hoje, deu bicho em mim.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Gosto (daquele que se sente na boca)

Eu gosto de liberdade, de vento que leva e traz. Gosto de ser pipa voada, de "ruar", de ficar parada no sol leve.
Gosto também de ter um eixo, a linha que define meus passos, meu compasso.
Gosto de cantar, de brincar de cantar, de ouvir e de falar. Nossa! Como eu gosto de falar. São as águas de janeiro...
Gosto do riso fácil, solto e leve. Brincalhão, tosco ou sarcástico. Gosto do riso de canto de boca, envergonhado.
Gosto de ter, de ser e deixar ser. De voar, brincar e saltitar. É bom demais saltitar!
Gosto do beijo, do cheiro, do jeito do toque. Da lambida molhada, do suor de prazer, de deitar de conchinha, deitar no peito, enroscar as pernas.
Gosto do gozo.
Gosto de ouvir, de sentir a pena e o peso, de cheirar e de saborear. Gosto mesmo é de gozar por todos os sentidos.
Gosto de cores, ardores e amores. Mas dispenso alguns tons de cinza.
Gosto  de ser sacana, de cultivar a crueldade inofensiva, de falar mal. Eu gosto de falar!
E gosto de ser menina, solta na vida; gosto de ser mulher.
Gosto de gritar, debater, uivar. Mas também gosto de fazer doce, denguinho, beicinho.
E gosto de abraços, de toques, de afagos, de ninhos. Carinhos sem fim.
Gosto de suspiros, os doces, inclusive. Ah, também gosto de sonhos. Os doces, inclusive.
E não há gracejos que eu resista. E nem desejos que eu não insista.
Gosto de me tocar, de me ter, de me dar. Também de me doar.
Gosto de cuidar. De cuidado sem restrição e nem advertência.
Gosto de presença e de entrega. Nada de boia.
Gosto de encontrar. De surpresas bestas.
Ah! E como gosto de ousadia. Cheia de graça, livre de inconsequentes e irresponsáveis. Daquela que transforma um tempo qualquer em lembrança boa.
E gosto também de minhas fraquezas. Das pernas bambas, da ansiedade, do nervosismo, da raiva, da impaciência, do medo. Da humanidade que habita em mim.
Eu gosto de amar. Amar, amar, amar e só amar. O indelicado, que é o amor.
E dançar? Sim! Claro, que gosto de dançar, bailar, embalar, rodopiar, cair e rolar. Gosto de música.
Também gosto de chorar. E como sou chorona?!
Mas o que gosto mesmo?! É de gostar.


terça-feira, 5 de março de 2013

Esta é a última canção que eu faço pra você...

HOje foi um dia estranho. Sem palavras. Poucas promessas. Sopro de chuva por vir com céu claro. Planos não concretizados. Pensamentos travados. Um filme de silêncios. Descobertas que instigam a ansiedade. Notícia de óbito repetida. Sensação de desencontro.
E o dia não acabou...

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Limbo

A gente se perde. E como é fácil se perder?! Mas é uma perdição perigosa aquela dentro da sua zona de segurança. O limite é sempre fantasmagórico, assusta e é tentador ao mesmo tempo. Ah! E quantas descobertas se faz no limbo? Quantas almas se cruzam e se deixam em penúria e maledicência? E como as descobertas nos libertam e aprisionam?
Sinto meus pés escorregarem devagar no limo, o frio dali acalma o calor do corpo. Fecho os olhos e nada deixa de ser, mas ganha brilho de fantasia. Assopro e tudo vai sem onde, sem volta. A brisa adere aos meus poros e me embriaga leve, fácil e adorável. Faço destas asas a ponte para chegar perto e espiar o outro mundo, o céu e o inferno. Tudo estremece, balança, quase me leva, mas ainda estou no limbo.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Quando o corpo pesa

Quando o corpo pesa a gente se pergunta por tudo que não fez na vida. Pelos sorrisos que não apareceram, pelo medo que não aterrorizou, pela ousadia esquecida, pela energia gasta em nada, pelos prazeres não gozados. Hoje meu corpo pesou sobre mim. Uma busca doída pela outra que não fui. Uma busca pela identidade que não construí. Uma inquietude que não encontra terreno e nem amparo.

Quando o corpo pesa a gente não se reconhece, nas roupas, na cara, nas coisas, nas escolhas. Como se de súbito a memória de uma vida inteira fosse papel branco translúcido fosco. E a gente se questiona entre isso ou aquilo sem querer considerar o que é melhor, só querendo provar disso e daquilo. E mais ainda, depois escolher aquilo outro.

Conte-me um segredo! A chave para que o peso caia de uma só vez. Num só estalo. Num só estrago. Se pudesse contar um segredo para alguém que me conhece, eu estaria irreconhecível, mascarada pela verdade. Porque meus segredos dizem de todo peso que meu corpo carrega, isto é, de tudo que não fui.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Quando a gente perde um amigo

Um dia ele foi meu porto seguro. Alguém em quem me espalhei. Compartilhamos momentos de pura intimidade, daqueles em que fraquezas, dores, alegrias, forças, esperanças etc. são compartilhadas, recebidas, amparadas. Dele recebi abraços tão fraternos... Lembro que uma vez tudo o que eu mais queria era um colo para me amparar e sem que eu dissesse nada ele percebeu algo, me puxou e me pôs em seu colo. Quizá, o melhor colo que já recebi na vida. Cheio de carinho e amor. Nossa amizade era assim, cheia de ternura, cuidado, risadas. O irmão mais velho que sempre quis ter.

Foi ele quem me acompanhou na matrícula na universidade, quem me apresentou o campus e suas peculiaridades, quem me ensinou dos perigos que ali habitavam. Ele estava ao meu lado num dos momentos em que mais tive medo. Dali pra frente, encontrá-lo naquele espaço era como me refugiar no mundo tão sensível em que vivíamos com nossos outros amigos e que aquele espaço feria a todo instante. Mas foi ali também que eu o perdi.

Lamento que ele tenha escolhido abandonar nossa relação pelos caprichos ou fraquezas de quem ele ama. Lamento que tenha feito isso sem olhar pra trás. Mas respeito sua decisão. Também já o perdoei. O que não significa que ainda não sinta a perda. O silêncio de cada 31 de janeiro dói muito.

Hoje, nos vemos uma vez por ano. Nesse único dia, ele é aquele cara que conheci, como se nada tivesse acontecido, como se o tempo tivesse sido congelado. Mas, a verdade é que o tempo não volta, não  congela e as feridas às vezes demoram muito a cicatrizar.

À memória de um porto.

Direito de resposta

Bem! O que posso dizer depois de palavras tão certeiras, de uma análise tão franca e tão certa que nem eu seria capaz de fazê-la?! Fico feliz que seus olhos me vejam com essa beleza, Ju! E é mesmo difícil dizer o que é isso que a gente tem, essa amizade. Gostamos de poucas coisas em comum. Você é um mulherão disfarçada de mocinha e eu essa mocinha se esforçando em ser mulher. Você é fã de muitas coisas, porque é intensa em tudo. E eu sou tão "livre" (pipa avoada) que não consigo me prender às coisas de que mais gosto, não sou fã de nada. "Ai! Seja mais passional Silvana!" - você esbraveja comigo. E eu te digo: "Ju, calma! Vamos analisar a situação.". Você é bem criteriosa na escolha (consciente) daqueles que chamará de amigos e eu... Bem! Para mim basta ser amigo de um amigo que já tem créditos. Por isso, você foi minha amiga antes mesmo de eu ser sua amiga. E não há nada de mal nisso! Assim, desse jeito confuso, controverso, ficamos amigas, somos amigas.

Nessas diferenças todas é que encontramos uma cumplicidade. É ela que nos une! Somos cúmplices dos comentários moralmente vistos como maldosos, mas eu e você nos reservamos o direito de não gostar de coisas e pessoas e expressar isso com todo o nosso sentimento verdadeiro. E isso é libertador! Somos cúmplices na abertura de espírito para as críticas uma da outra, mesmo que às vezes dói um pouquinho. Mas nos permitimos isso, porque sabemos ou intuimos que tal crítica vem de uma franqueza amiga, que também estará presente para amparar. Somos cúmplices na tolerância dos humores, nas variações que a convivência impõe. E até rimos muito disso! Somos cúmplices nas fraquezas uma da outra e encontramos aí um ponto de força para crescer. Somos doces e malvadas, melancólicas e alegres, solitárias e independentes, livres e com raízes. Aí reside nossas afinidades. E quem vê meu sorriso fácil e sua ironia simpática não imagina o quanto somos cúmplices e companheiras.

Obrigada pelo amor, amizade, respeito e cumplicidade! Eu gosto tanto de você, muito mais do falo, do que rio, do que escrevo.
Obrigada, Ju!

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Distância

É fácil amar de longe.
Quando a pobreza do outro só pode tocar a nossa superfície.
Quando o cuidado, tarefa árdua de entrega, se resume a conselhos.
Difícil é amar de perto.
Olhos nos olhos.
Quando a menor inconstância do outro afeta, num caminho retilíneo, a nossa alma.
Quando a menor fraqueza, o egoísmo, faz o chão da cumplicidade estremecer.
Mas de facilidade o amor não se sustenta, não pode se aguentar em areia movediça.
Difícil é amar.