domingo, 23 de agosto de 2015

Não dito

Já faz 1 ano que me separei de uma relação de quase sete. Já faz 1 ano que quase tudo sobre esse fim habita o não dito. O silêncio, o sorriso frágil e as respostas furtivas têm me acompanhado desde então. Isso porque terminar uma relação exige mais do que a gente imagina, quer e, às vezes, pode. Não importa muito quem colocou o ponto final. A morte exige sempre luto. E o que é o fim de um relacionamento senão a morte de um amor? Isso não significa que eu parei a minha vida. Muito diferente disso, a gente segue mesmo que a gente não queira. A vida empurra. Ela sempre empurra. Mas significa que estou num outro time, outro ritmo, outro ânimo. No geral, quase sempre como uma onda, oscilante.

De verdade, gostaria que tudo já tivesse acabado há tempos. Gostaria de querer me jogar na vida mais do que num colo. Gostaria que as dores fossem só uma lembrança turva. Gostaria de voltar a tagarelar sobre flores, cores, danças, ventos e devaneios. Gostaria de ser quicante de novo. Mas ainda não dá. Ainda não consigo, mesmo que já não tenha mais paciência. Ainda sou andorinha. De todas as coisas que eu não disse sobre como estou, a mais importante é essa. Estou indo devagar, num passo de cada vez, dando tempo a alma.

Nenhuma morte é incólume. Nenhum luto é presença. Nenhum ex-amor é bagagem leve. Nenhum recomeço é automático.

 Aos poucos, eu estou voltando para casa.






Carta a um ex-amor

Quando a gente se conheceu, eu não achei que teríamos uma jornada tão longa. Sempre tivemos prazo de validade, mas quando ficamos longe eu desejei que a nossa relação não se acabasse. Hoje, agora que acabou, eu vejo o quanto me deixei pelo caminho para que esse desejo se realizasse. E, no fundo, não consigo deixar de te culpar pelas pequenas coisas que mataram aos poucos o amor grande que eu tinha por você. Também sinto raiva de mim por ter deixado você me triturar em muitos momentos.

Um dia desses, assisti a peça em que um amigo trabalhou na direção. Chamava-se "Afeta-me ou desaparecerei com o tempo". Acho que era isso. Era sobre a história do fim de um amor. Numa das cenas, que acontecia bem ao meu lado, eu me vi fielmente retratada e me contive para não me despedaçar de novo. Na cena, a mulher em meio a uma briga dolorosa, se "escondia do mundo" embaixo do edredom. Você lembra quantas vezes eu fiz isso na segunda vez em que estava aí? Esse é um sentimento que eu não desejo para ninguém. Querer se esconder do mundo é sentir tanta dor, estar tão sensível que mesmo o perfume de uma flor é ameaçador. Esse é um sentimento encarcerador.

Naquele período, você não perdeu só um emprego de um chefe tirano. Você começou a me jogar fora. Por isso, cada vez que você me perguntou o que aconteceu ou o que você fez para merecer a dor que agora você sente, eu não tenho pena. Tenho até um desejo cruel de terminar com você várias vezes para você sentir o que é ser jogado fora. Um ímpeto vingativo do meu pior lado. É! Acho que só agora posso denominar o que senti naqueles meses e nos posteriores. O sentimento de ser jogada fora, de ser desprezada, de ser acessório. E me pergunto quando foi que deixei de ser importante para você naquele período. Quando foi que virei enfeite do seu apartamento... O engraçado é que parecia que eu sabia tudo o que estava por vir quando você me deu a notícia da sua demissão. Lembro que um peso profundo se abateu em mim naquele dia.

Eu te culpo por ter me diminuído cada vez que seu arrogante ego gritou comigo; te culpo por ter me aprisionado cada vez que sua insegurança me cobrou explicações de quem eu era; te culpo por cada vez que fez seu desejo valer por chantagem emocional; te culpo por todas as pronunciações que pedi para não serem ditas, por todos os insultos da sua covardia. Te culpo por ter feito de mim e do meu amor inimigos do seu projeto de vida feliz. Te culpo por ter destruído o único alento que eu tinha quando você partiu. Te culpo por ter feito de como eu sou algo feio. Te culpo por ter feito eu ter cuidado com você enquanto você me maltratava.

Eu te culpo por tudo isso e talvez por ainda mais. Eu te culpo e não te perdoo. Ainda não posso, ainda não sei. Porque ninguém nunca fez de mim tão pouco. Ainda não sei ser capaz de perdoar isso. Ainda não.

E acho que é por isso que ainda sonho com você e espero nos outros sua forma egoísta de amar. Mas, de verdade, se eu penso em você e no que desejo pra ti... Eu só consigo pensar que quero que você cresça, que mude, que supere, que não repita os erros, as tolices, os medos. Não quero necessariamente com isso que você seja feliz, mas quero que você não faça com outra pessoa o que fez comigo. Quero que esse tipo de dor termine com a nossa história.


*texto de papéis soltos nas gavetas.