sábado, 18 de abril de 2020

Ainda posso voar

Às vezes, podia ser só silêncio
Eu me sentiria leve e passageira
como quem não precisa se preocupar com o amanhã
Num dia bom, eu consigo discernir sobre o que consigo fazer
Num dia ruim, meu corpo cai letárgico
mas não adormece
Todo o controle parece ser como laçar o vento
E deveríamos estar todos entre o aqui e o agora
para ser possível um amanhã lá fora
Até soa brega, esses versos rimados
que não são poesia
porque são a verdade

Escrevo porque é como eu posso voar

domingo, 5 de abril de 2020

Ah, os românticos... ou porque vi "Diário de uma paixão"

Pense num drama! Num desses beeemmm dramáticos e que envolva amor entre um homem e uma mulher. Vai ter paixão à primeira vista? Vai! Vai ter proibição? Sim, senhora! Vai ter conspiração? Não poderia faltar... Tem sacrifício? Mais é claro! Tem morte? Tem que ter morte, né? De novo, sim! E, o amor supera tudo? Certamente! Então, tem "felizes para sempre"? Não podia faltar! Espera! É um conto de fadas? Branca de neve, talvez? Antes fosse... É um filme para adultos. Sério? Vai me dizer que você nunca viu uma comédia romântica? Esse é igual, só não tem a comédia.

A trama é a seguinte: dois velhinhos num asilo, o homem lê para a mulher uma história de um livro. Ele parece fazer esse gesto como uma forma de ajudá-la a passar o tempo ali naquele espaço. Ela parece apreciar o gesto e, curiosa, se interessa pela história narrada. A história que ele narra envolve uma mocinha rica de férias numa cidade pequena e um rapaz pobre trabalhador, mas sonhador. Quando o mocinho a vê, é paixão à primeira vista. E ele faz estripulhias para ela lhe dar uma chance. Ela cede. Logo os dois estão perdidamente apaixonados e vivendo um tórrido romance naquele verão. Os pais da mocinha, percebendo que a coisa está ficando séria, intervém. Os dois são separados, ela é levada de volta para a cidade grande. O mocinho escreve cartas de amor ao longo do primeiro ano de separação, uma por dia. A mãe da mocinha intervém mais uma vez. A vida segue, a guerra chega, a guerra passa. A mocinha se apaixona por um novo mocinho, que é aprovado pela família. O nosso mocinho do início continua com sua antiga paixão intacta e não podendo realizá-la, ele se dedica a reconstrução de um casarão, sonho antigo que tinha sido atualizado naquele verão apaixonante. A casa fica pronta, como os dois sonharam um dia, mas não preenche o seu vazio. A mocinha está prestes a se casar. Mas o destino intervém. Ele descobre ela e seu novo amor, então deixa pra lá. Logo depois, ela descobre ele e resolve ir atrás, tirar o passado a limpo antes de prosseguir com seus planos. Preciso dizer que eles revivem toda a paixão de novo? Ela tem que escolher com quem vai ficar. E a gente descobre a escolha dela junto com a velhinha do asilo que se lembra que os personagens da história são ela própria e seu marido. Antes disso, nós já sabemos que a velhinha é casada com o velhinho, que eles tem uma linda família com filhos e netos, mas que ela sofre de demência e já nãoo reconhece ninguém. O filme termina com os dois morrendo juntos, um ao lado do outro, no asilo.

Já enxugou as lágrimas? 

Sem querer parecer insensível, mas essas histórias me irritam. Real, oficial. E me irritam porque elas nos dizem um monte de coisas que só atrapalham na vida real. A primeira delas é que o amor é fruto de mágica, que exige sacrifícios, mas que sempre vence no final. A segunda é que só teremos o nosso felizes para sempre se encontrarmos quem nos complete. A terceira é que se for por amor, todo sacrifício vale a pena. 

Essa visão só nos concebe como parte de um todo, formado por duas pessoas. Mas veja bem! A gente se cria e vira gente como nós mesmos, como um. A nossa individualidade se forma a parrtir da nossa relação com os outros e não por causa dos outros. Ou seja, a maior parte da nossa vida a gente se desenvolve como um. São os nossos desejos, nossos sonhos, nossas carências. Não é a minha e de alguém estranho que aindda nem conheço. Ninguém é criado para esperar conhecer um outro específico para saber do que vai gostar, o que vai querer. E é por isso que os romances quase sempre exigem sacrifícios. Porque quando a gente coonhece alguém que nos interessa, não podemos simplesmente pegar tudo o que nos formou e jogar no lixo. Mas o discurso de que a gente s´o se commpleta com esse outro, nos obriga a abrir mão de parte de nós para ceder ao outro aquilo que acreditto que deva me completar. Percebem a complexidade disso? Porque as coisas que nos formam e nos formaram não são destacáveis e descartáveis como peças de roupas, não podemos simplesmente tirá-las e jogá-las fora. O que nós fazemos é o sacrifício inocente de reprimir parte de quem a gente é para "completar" o outro. Eu não sei se você sabe mas repressão é uma forma de violência. Não há um significado dessa palavra que não incorpore esse caráter. Então, esse ideal de amor concebe que uma dosezinha de violência faz parte. E quem é que vai medir a dose? As pessoas que estão se relacionando, ora bolas! Ah, então é simples porque as pessoas podem combinar que a dose vai ser pequena. Verdade! Elas podem. Mas quero lembrá-los que as pessoas que se relacionam não estão em posições iguais, que a sociedade definiu para cada uma posições diferentes de poder. Então, ao fim quem vai estabelecer a dose é quem tem mais poder. Pessoas, não é por acaso que relacionamenttos abusivos existem.

Um outro peso nesse ideal é essa ideia de recompensa. O amor vai fazer valer a pena. Então, a relação é toda baseada numa relação de troca e na expectativa de algo a se cumprir. Outro peso é que a nossa felicidade depende disso, depende de que dê certo. Só há possibilidade para sermos felizes numa relação em que eu suprimo parte de mim, de acordo com medidas que podem variar, e espero ser recompensado por isso.

Gente, é sério? Segunda década do segundo milênio d. C. e a gente ainda está achando bonita uma relação assim?

Eu vi o filme porque uma das pessoas que eu namorei na juventude me pediu para vê-lo e me disse que havia muito de nós no filme. Eu presumi que o filme fosse ter um tanto desse ideário de amor, mas não esperava que fosse esse pacote completo de drama. E passei o filme me perguntando "onde diabos nós estávamos ali?". Num resumão da nossa relação: nós dois éramos pobres, não houve impedimento externo para nossa relação e tampouco houve um sacrifício.

Ao longo da minha infância e adolescência eu sonhava com esse amor, esse que me levaria a um felizes para sempre. Eu era romântica, às vezes estupidamente romântica. Para se ter uma ideia: uma vez andando na rua esbarrei sem querer num cara e nosso esbarrão foi um em que nossos ombros se chocaram, nossos braços seguiram mais suave ao choque inicial e como seguíamos em direções opostas, nossos braços deslizaram um sobre o outro até nossas mãos se soltarem. Para mim aquele esbarrão foi como cena de filme. Nós tínhamos nos olhado nos olhos enquanto tudo acontecia... Eu logo criei uma linda de história de amor na minha cabeça que começou com aquele esbarrão. Eu, hoje, não lembro nada do rosto daquele cara, mas lembro da cena em câmera lenta. Perceberam as afetações? Pois bem, eu era romântica assim, tudo o que eu queria era me sentir amada. E eu só me sentia o patinho feio. Quem nunca?

Apesar disso, eu percebi logo cedo que há muito mais coisa em jogo. E mesmo sendo uma adolescente romântica eu sabia que há sacrifícios que não compensam. Porque quando a gente abre mão de parte do que somos, do que queremos, nós podemos nunca mais recuperar de volta. Na minha família não faltava exemplos de mocinhas bem criadas que na busca pelo felizes para sempre sofreram violência, deram passos que mudaram a vida delas para sempre. 

Ao longo da minha vida eu consegui em muitos momentos fazer escolhas que não me colocassem nesse lugar do sacrifício. Apesar disso, sem perceber eu sucumbi a esse ideário de amor em algum momento. E o que eu aprendi com essa experiência é que a gente precisa criar novos modelos de amar que não presumem sacrifício, repressão, violência, medo da solidão. Amar deve ser algo que a gente cria na relação com o outro por quem nós somos individualmente e em parceria, que presuma sempre a liberdade de ser e a certeza de que a felicidade é algo que só pode existir quando há amor próprio.

Então, não. Não sou a mocinha do filme. Não era antes e não sou agora. Não me chamem de menina, de garota, de moça. Eu sou uma mulher que acredita e busca construir o amor como um espaço em que a gente se sinta feliz por ser quem se é. Nada menos que isso.



Ao meu querido ex, sinto muito mas eu não participei desse filme.



quarta-feira, 1 de abril de 2020

Porque cresci numa casa com piscina e aprendi a mergulhar

Prestes a completar 7 anos, minha família e eu nos mudamos para a nossa casa. Meu pai já tinha construído metade da casa e ela estava, mesmo incompleta, apta a nos abrigar. A casa tinha dois projetos muito particulares: a oficina do meu pai e a piscina. A oficina era uma necessidade imperativa já que meu pai é mestre de obras e precisava de um lugar para trabalhar e guardar toda a sua parafernália - que ia desde as ferramentas mais básicas até a lateral de uma Brasília amarela. Quando nos mudamos, a oficina já estava pronta. Já a piscina... A piscina é outra história.

Para muitas famílias pobres ter uma piscina em casa, ainda mais não sendo de plástico, é um luxo. Para nós, eu e meus irmãos, era também. Quando nos mudamos, a piscina já estava construída, mas sem acabamento. Até então, creio que eu só havia tomado banho de piscina 1 ou 2 vezes na casa do namorado da minha madrinha. E era uma senhora piscina. Como a nossa ainda não estava pronta, cada avanço na obra era acompanhado de muita ansiedade. A banheira de ferro que tínhamos desde a casa velha, ficava cada vez mais apertada para 3 crianças se refrescarem no calor do RJ. Nós só queríamos nos divertir.

No dia em que o meu pai já tinha terminado de colocar todos os azulejos, mesmo sem o rejunte ainda devidamente instalado, ele liberou a gente de brincar na piscina. Devido às condições, ele a encheu só um pouco, só pra cobrir o fundo. E nós ficamos felizes da vida, brincando de escorregar. Eu tenho uma cicatriz no queixo fruto dessa felicidade. 

Mas e meu pai? Por que se empenhar nesse projeto de luxo com metade de uma casa para terminar? Meu pai cresceu tomando banho de rio. Ter uma piscina era como ter, de algum modo, um pedacinho da própria história nessa terra que ele nem ousava ficar mais que 3  anos. Talvez a piscina pra ele fosse o exato oposto de um luxo, fosse uma necessidade de existência. 

Pra mim, a piscina era a principal diversão das férias. Só saímos dela pra comer e ir ao banheiro, de manhã até a noite éramos só água. Eu gostava de boiar e ficar à deriva, gostava de mergulhar e sentir como a gente é leve na água. Gostava de ficar no fundo e me sentir imersa, completamente envolvida. Nadar pra mim é como um estágio de meditação, de estar só comigo mesma. Andar de bicicleta também. As duas principais atividades da minha infância.

Mas e daí que eu tive piscina em casa? E daí que eu aprendi a mergulhar. Daí que às vezes eu carrego todo esse sentimento de imersão, de profundidade, de densidade comigo. Às vezes a minha resposta pro mundo é intensa, mais do que a situação exige porque é assim que me sinto também. Imersa, profunda naquilo que poderia ser só superficial. Porque também me interessa no mundo o que não é dado, o que não é visível.  

Esses mergulhos nem sempre são relaxantes, como pode parecer. Às vezes me falta ar. Às vezes bate a paranoia do tubarão que vem te pegar, mesmo na piscina. Às vezes leva a uma emersão brusca e violenta.

 É um pouco difícil saber o equilíbrio do quão profundo se deve ir em determinadas coisas. Tenho tentado aprender.

Saudade de ter piscina em casa...