terça-feira, 16 de abril de 2019

Porque ela só tinha 11 anos e viver já era insuportável

Quando eu tinha 12 anos, me sentia extremamente só. Não sei bem como o sentimento da solidão se apoderou de mim e nem como eu aprendi minimamente a lidar com ele, o que sei é que ele foi intenso, forte. Forte o suficiente para eu acreditar que eu era a própria encarnação da solidão. No caderno com uma capa improvisada do Bon Jovi, há centenas de micro desabafos sobre o peso que eu sentia dessa solidão, me sentia perseguida e impotente. Apesar de parecer dramático, exagerado, barroco etc. isso era real. E esse sentimento se aprofundava ainda mais pelo fato de eu ter sido uma criança/adolescente com certa popularidade - nos limites das minhas turmas - na escola. Eu conhecia e falava com todo mundo da minha turma. Tinha meu grupo de amigos próximos e conhecia mais um bocado de gente de outras turmas por influências dos meus irmãos mais novos e de uma prima mais velha - todos estudamos na mesma escola o Ensino Fundamental inteiro. Isso, no entanto, não significou que qualquer uma dessas pessoas soubessem do meu sentimento, da minha angústia. Em casa, fui criada num ambiente em que cada um vivia no seu casulo, que raras vezes alguém demonstrou suas vulnerabilidades. Não havia espaço para falar do que sentíamos, nunca houve. E, talvez só agora, minha família e amigos da época saibam disso. Saibam que apesar da amizade, do carinho e do amor que havia, eu fui em grande parte infeliz em 1998.

Ela tinha 11 anos e passava pelo processo de separação dos pais. Era a mais nova. Uma das muitas primas de segundo grau que possuo. Nunca a conheci e sequer tinha consciência da sua existência. Nas fotos no Facebook parecia ser uma menina esperta, vaidosa, bonita e doce. Na semana passada, por algum motivo dela e só dela, decidiu se enforcar e acabar com algum sofrimento que sentia. Morreu. Acredito que algum pedaço de nós morreu junto.

Essa parte da minha família é nordestina e é a grande parte da minha família. Minha avó pariu 16 filhos. Meu pai e tios e tias sobreviveram como puderam. Minha família poderia estar facilmente - se já não esteve - nos números de vítimas da seca, da desnutrição, de analfabetismo, de violência doméstica, de trabalho infantil, de gravidez na adolescência, de evasão escolar, de abortos, de fome, de migrantes, de favelados, de trabalho precário, de criminosos, de negligência hospitalar, de dependentes químicos etc. etc. Na busca por melhores condições de vida, minha família está dividida em quatro estados do país. Cada um dos filhos e das filhas de minha avó vive e sobrevive como pode, como dá, como Deus deixa.

Eu faço parte da geração dos netos. Ela, da geração dos bisnetos.

Três gerações e nós ainda estamos aprendendo a viver, buscando dignidade, buscando ser apesar de tudo.

Meu pai hoje é um pai muito melhor do que foi comigo e meus irmãos primeiros, em nossa infância e adolescência. Na sua segunda chance de pai, conseguiu superar alguns limites.

Para ela, viver já era insuportável.

Para nós que ficamos, que essa perda faça-nos olharmos para nossa história, para os nossos limites e potências, para nós mesmos e para os que estão em volta. Que mais ninguém possa se sentir tão sozinho e tão desamparado que viver não seja mais uma opção.

Ela só tinha 11 anos.



Redemoinho

Na calmaria, quente ou fresca,
às vezes, podem se formar redemoinhos.

desabafo.vergonha.frustração.silêncio.medo.incompreensão.saudade.desejo quentinho.inveja.vontade.preguiça.amor.choro.colo.confusão.bagunça. mudança.recomeço.ausência.distância.tempo.diferença.estranha.eu.bico.tristeza.abraço.


*De 22/07/2017