quarta-feira, 12 de março de 2014

Partida

Saudade que floresce antes da primavera e exala melancolia.
Um apego que gruda mais que Super Bonder.
O sufoco de lágrimas pelo medo do que ficará no caminho.
Uma balança de três pratos de expectativas.
Um sentimento de solidão em pleno carnaval.
Um travesseiro que não abraça, não dá um cheiro e nem dá colo.
Não vou ao paraíso. É para a terra mesmo.
Mas existe uma cortina de nuvens no qual poderei flutuar.
Nisto reside o impulso para o salto.
Estou de partida...

sábado, 8 de março de 2014

Mulheres de Atenas

Era um dia feliz. Eu tinha passado na casa do meu pai para pegar algum dinheiro, pois iria viajar para Brasília, participar do V Congresso Nacional do MST. Era uma honra ter conseguido as condições para esta participação, que só foram confirmadas na quarta véspera do feriadão. Eu e mais três amigas viajaríamos no domingo pela manhã.

Era feriadão, mas o ponto de ônibus da passarela 06 da Av. Brasil estava lotado de gente. Eu estava ali para pegar o ônibus para ir para minha casa, depois de ter falado com meu pai. Enquanto esperava,  um homem me abordou de forma educada, pedia ajuda. Disse que precisava passar um saco de drogas para uma pessoa com quem tinha marcado, mas precisava disfarçar porque havia uma viatura da polícia  perto. Pediu que eu falasse com ele sobre qualquer coisa. Lembro que na hora não tive medo de início, pensei apenas que logo estaria livre, assim  que meu ônibus chegasse.  Não foi o que aconteceu.

O tom dele oscilava entre paciente e grosseiro, um jogo sutil de ameaças que começou a me deixar apavorada. Eu olhava em volta e só pensava como era possível alguém achar normal aquele tipo ao meu lado se eu havia chegado e ficado ali por um bom tempo. Não era obviamente alguém que eu tratava como pessoa conhecida, mas como estranho. Ficava olhando ao redor,  esperando que alguém pudesse entender a minha cara de pavor e fizesse alguma intervenção. Eu, uma menina de 21 anos, feliz, com mochila nas costas, ali, num local que só conhecia de passagem, que parecia seguro, mas não era. 

Ele tinha uma bicicleta, que eu não tinha visto. Disse que como a viatura permanecera lá, que era para eu acompanhá-lo até o posto de gasolina, que ele deixaria a droga lá. Que havia combinado com o cara que supostamente esperava, depois de atender a ligação. O posto era perto, ainda sim tinha movimento de pessoas por lá. Pensei em ir pra me livrar logo, eu já estava bem amedrontada. Ninguém veio para me salvar. Parece que todo mundo achou muito normal uma menina de jeans e blusa de alcinha com um cara de meia idade, magro e um pouco maltrapilho.
Ele não parou quando chegou no posto. Não deixou eu descer da bicicleta. Fez ameaças e acho até que me agrediu de algum modo. Lembro de entrar já com lágrimas nos olhos na imensa escuridão que tinha depois do posto. A rua estava completamente escura e quase deserta. Ele dobrou a direita. Era uma rua cheia de casas, pessoas na calçada, crianças correndo. Um pouco escura, poucas luzes dos postes estavam acesas - a iluminação vinha mais das casas. Virou à direita de novo e acenou amigavelmente para um cara, que estava sentado numa cadeira dessa esquina. Parou ao lado de uma igreja evangélica. Lembro de sentir um certo alívio por isso, já que parecia que eu não seria estuprada.

No início, ele ainda manteve a farsa da droga. Disse que nós esperaríamos o cara ali. Que era para fingir que nos conhecíamos. "Pediu" para ficar com a mão na minha cintura, eu de frente pra ele. Um culto era celebrado na igreja. O culto acabou, as pessoas saiam e eu olhava com uma cara de socorro. Tinha vontade de gritar, mas a voz não chegava na goela. Todos me viram, todos se foram. Esse foi o momento em que ele virou Homem. 

Lembro de deixar a voz dele longe dos meus ouvidos. Não sei o que disse, sei que era agressivo. Abriu a bermuda, pegou a minha mão e colocou no pênis dele e foi movendo-a continuamente. Abriu meu sutiã, para tocar meus seios por cima da blusa. "Pediu" para eu colocar a língua para fora da boca e começou a chupá-la. Meus olhos fechados com tanta força como se pudessem me transportar para outro lugar. Eu tremia, meu estômago se revirava, minhas pernas quase se desfaleciam. Alguma coisa saiu, melecou a minha mão um pouco. Parecia ser o fim.

"Pediu" para eu fechar o sutiã de novo, seguir em frente e não olhar pra trás. Robótica, eu fui. Não sei bem quando comecei a chorar, mas lembro do que ele esbravejou: "Porque você está chorando?! Eu não fiz nada com você.". Segui até o ponto de ônibus novamente, vi que meus pais tinham ligado para meu celular incessantemente. Olhei à esquerda e vi que a viatura ainda estava lá. Não tinha forças para falar qualquer coisa. Peguei qualquer ônibus que pudesse me deixar na Av. Brasil, na altura de Guadalupe. Liguei para casa e disse a minha mãe que estava tudo bem, que meu irmão fosse me buscar na Brasil e que em casa eu explicaria o que aconteceu. Foi um dia...

A imagem que tenho daquele homem é fantasiosa. Lembro apenas que ele tinha rosto e nariz finos e a pele marcada. Talvez uma cor de pele amarelada, como de alguém doente. A imagem que tenho na minha cabeça é a do Freddy Krueger. O rosto de verdade, a lembrança dele, o trauma fez questão de levar para os cantos mais obscuros da minha memória. Durante alguns anos, eu passava mal cada vez que passava na Av. Brasil pela passarela 6. Hoje, meu coração só palpita um pouco e sempre peço no meu íntimo para nunca mais encontrar com ele.

Não sinto ódio, não sinto compaixão. O sentimento em relação aquele homem é de indiferença. O que sinto de verdade, é um lamento por esse nosso mundo gerar seres humanos assim - e não me venham chamá-lo de monstro ou animal, ele é produto de uma sociedade machista, violenta, autoritária. Acredito num outro projeto de sociedade, onde possamos realizar nossos desejos e potencialidades sem o uso da força contra outrem, contra outras.

Feliz Dia da Mulher Rosa Choque para você que não dorme e nem vive com as infinitas possibilidades de ser tratado apenas como objeto de dominação!

Feliz Dia de Luta (mais um) para nós Mulheres que sabemos quanta opressão ainda resta para enfrentar!