sábado, 12 de setembro de 2020

O antigo, o velho e o melhor amor

Cresci em meio a coisas antigas e velhas. Meu pai é um fazedor e olha pra quase tudo com a pergunta no olhar "Meu filho vc já morreu mesmo ou ainda dá mais um caldo? Tá só precisando de um trato? Então, deixa comigo.". 

Eu vim aqui pra falar de amor, pra falar do meu melhor amor. Mas pra falar dele agora, prestes a completar 4 anos e 5 meses de separação e distância, eu tive que pensar no tempo. Em como desde muito nova eu aprendi que o tempo é senhor de todas as coisas, que pode fazer ruir e transformar em pó as montanhas mais rochosas ou conservá-las por milênios. Há uma diferença entre o antigo e o velho. 

Ambos remetem a uma origem num tempo anterior, mas só o velho remete a deterioração do tempo. No antigo se conserva, no velho se rui. Então, a gente percebe que o tempo pode ser ácido, mas não sempre. 

Muito das coisas que tivemos em casa foram usadas antes, receberam um trato do meu pai e passaram a ser parte da nossa família. Talvez por isso eu goste de coisas antigas, goste da ideia de memória, de guardar lembranças, de dar trato nas coisas e fazê-las viver de outro modo noutro lugar. Também por isso, talvez, eu tenha aprendido desde muito cedo a conservar as coisas, a ter no tempo um aliado e não um inimigo. A ser paciente com aquilo que precisa ruir, como uma paixão não correspondida, e a ser cuidadosa com aquilo que precisa permanecer, como as amizades. 

O meu primeiro amor, daqueles de infância, foi tão intenso e marcante e doloroso. Quase 3 anos convivendo com um misto de sentimentos decorrentes da experiência de sentir o gostinho de ser querida e depois rejeitada. Era tudo tão intenso pra mim que parecia insuperável. Mas o milagre do tempo aconteceu e eu notei que bastava paciência que tudo tem a sua hora.

O melhor amor veio fortuito com a maresia. Era despretensioso, leve, aberto e bonito. Quem via em nós outra coisa que não cumplicidade, brilho e brisa, de certo sofria de conjuntivite aguda. Mas nós tínhamos um tempo contado, não brigamos com isso. Aceitamos o que nos era possível e fizemos dele o que poderia ser feito de melhor. Tudo tem sua hora mesmo.

Como trabalhos do jardim de infância, cadernos da escola, "ursinhos" de pelúcia, tickets de programas adoráveis, rolha de uma champanhe comemorativa, aliança de um ex-casamento, dentre tantas outras coisas, guardei o meu amor e tudo o que foi fruto daquela maresia. Guardei bem guardado.

Com o tempo, a porta cedeu, arrebentou e tudo caiu. Cada lembrança, cada alegria, aconchego, identificação, carinho e cuidado está ao meu redor, desordenado. E com essa bagunça que o tempo tratou de me aprontar, percebi que meu amor não envelheceu nada, que o tempo não agiu sobre ele. O tempo passou, deveras, mas atingiu mesmo só a porta que insistia em mantê-lo quieto naquele canto. Pelo meu melhor amor, o tempo passou através. Ele completa agora 6 anos e é tão pulsante e reluzente como antes, quando nem sonhávamos em viver numa terra governada por imbecis. 

Ele é antigo e ainda muito vivo. Talvez precise só de um trato pra ser de novo noutro lugar.