sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Das folhas secas e outras coisas que o vento traz

O dia foi estranho, cheio de pequenos rebuliços. Queria ter pedido alguns minutos de silêncio e afago num colo. Não tive coragem, é difícil se entregar às vezes. As lágrimas estão presas atrás dos meus olhos, ameaçando com desdém arrebentar. Eles até doem.
A morte sempre foi estranha a mim, a conheço só de vista. Mas dessa vez ela resolveu chegar mais perto e trocar uma ou duas palavras. Foi estranho porque de algum modo no meu íntimo, eu sabia que chegaria mais cedo. E senti-me até culpada porque era como se eu a convidasse.
Algumas mudanças quando parecem vir de verdade assustam um pouco. Uma sensação de vento forte com poeira nos olhos, cabelos batendo, ruído no ouvido, roupa voando e mundo girando. Por isso, também foi estranho.
Hoje eu me visitei no passado. Corcunda, com um esboço de sorriso amarelo, cara de fuinha, cara de quem não sonha, cara de passividade. Foi estranho me ver tão presa, tão pequena. Um pouco de orgulho por ter superado aquilo, mas muito mais de uma certa vergonha - daquelas que a gente sente pelo outro. Eu era uma moça bem comportada...
O amor, o desgaste do amor, as feridas abertas estão aí. E vendo nos outros aquilo que está em nós, deu um nó na garganta, um aperto no peito. Foi estranho ver nos outros nossos erros e as perspectivas. Vi uma vez: "o amor é feito de dois gumes: um, amar e sofrer; o outro, não amar e sofrer mais.". Hoje vi por duas horas.
Hoje o dia saiu completamente fora do script, cheio de pequenos rebuliços. E eu ainda estou aqui engasgada com um monte de angústias, saudade, tristeza, lamento e medo. Parece que acabei de sair do mar...

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Das outras em mim...

Seria pequena demais se eu fosse só uma. Porque a vida é tão infinita que é quase uma obrigação nossa diante da felicidade sermos muitos, uma multiplicidade inteira num único corpo - que nem é tão único assim.
E essas outras de mim nascem e morrem, e se refazem como a Lua mantém suas fases. A boca que beija o Rico é tão outra quanto a que beija o meu amor, meu irmão, meus amantes, minhas divas. E também o meu riso é outro, meu carinho, meu afeto, meu toque, meu lamento e minhas lágrimas. Porque nenhum amor é igual e cada estímulo, cada vida que sopra em meu rosto, é capaz de despertar em mim coisas tão singulares, tão díspares.
E as outras que habitam este corpo convivem, coexistem. Às vezes em conflito, às vezes fora de tom e às vezes bailando. Mas todas, absolutamente todas, se deixam em entrega quando são requisitadas. E isso é que faz a diferença entre ser uma pessoa falsa e uma pessoa diversa.
Alguns são tão pequenos que são incapazes de compreenderem que o amor é incompatível com o egoísmo, que jamais ele foi criação de um só, pois a gente se faz no outro. Nenhuma identidade se faz só. O que é o amor senão uma identidade? E as outras de mim são plenas desta verdade. Elas amam, elas se entregam, elas vivem...
Das outras em mim, a minha alma!

sábado, 21 de setembro de 2013

Desconexo

O encontro foi seco, combinado ao acaso. O primeiro contato foi vazio de afeto, carícias e acolhimento. Era como se ambos fossem só conhecidos distantes. Quem visse de fora não imaginaria que eles trocaram carinho, beijos, mordidas, apertos, lambidas. Além de pequenas confidências triviais. O que se seguiu depois de minutos de silêncio, sentimento de deslocamento da parte dela, fuga para o embalo das ondas, vontade de se afogar ali na imensidão do azul e na sua calma espumante, foram palavras desconexas. Uma discussão que nenhum dos dois sabia o que era afinal, repetiam como vitrolas discursos prontos e velhos. Era só reflexo da desigualdade de desejos. Ao final, abraçaram-se algumas vezes. Talvez breve refúgio um no outro, apesar de tanta coisa desconexa jogada à maresia. Ela fitou-o por alguns segundos chegando a conclusão que gostava mais do que devia de alguma coisa que não sabia bem o que era. Devia dizer adeus para não sofrer com aquela ausência, o salva-vidas dele. Por um segundo a emoção veio e quase se arrebentou em lagriminhas, mas conteve-se. Ele pensou que ela seduzia-o, ela negou, ele teve certeza que sim. Talvez ele já estivesse seduzido por alguma coisa que também não soubesse identificar ou talvez só sentiu o afeto que beirou os olhos dela ou talvez... Talvez só ele possa dizer o que foi. E foi assim, que na primeira noite de verão, à beira do mar, sob o brilho longe das estrelas, envolvidos por uma neblina leve de maresia, um adeus se fez sem ser dito. Dito mesmo foi só um "Até!" respondido por um sorriso. Até o adeus foi desconexo, mas deu um aperto no peito.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Cansaço (de novo)

Estou cansada de ser vista e tratada como um pedaço de carne.
Estou cansada de escolherem por mim o que é para mim.
Estou cansada de contatos superficiais.
Estou cansada de falsas disponibilidades.
Estou cansada de displicência e descuidados.
Estou cansada de ser compreensiva com pequenos abandonos.
Estou cansada de ser só personagem.
Estou cansada, cansada e cansada!

"Retira, pois, a expressão, alma sensível, castiga os nervos, limpa os óculos - que isso às vezes é dos óculos - e acabemos de uma vez...". Machado de Assis

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

(Pré) genealogia conceito

Minha avó era negra. Tinha a pele escura e era baiana.
Meu avô era descendente de português. Era branco, careca, banguela e por demais risonho.
Minha mãe tem a pele branca. Minha mãe tem lábios grossos, nariz de batata, cabelo crespo. Minha mãe tem cabelo crespo, ruim, pixaim.

Minha avó tem cabelo liso, pele queimada de sol e um sorriso doce.
Meu avô tem cabelo liso, pele queimada de sol e uma ranzinzice constante.
Meu pai é paraíba. Meu pai tem cabelo liso, cabeça amassada na parte de trás - como de todo paraíba -, pele queimada de sol, pouco pelo no corpo.

Eu nasci branca, careca e gordinha. Eu tenho a pele queimada de sol, cabelo crespo e meu apelido era Olívia Palito. Eu tenho a cabeça amassada na parte de trás - como de todo paraíba - e tenho cabelo crespo, ruim, pixaim.

Alguns me chamam de morena, mas a verdade é que minha pele tem essa cor marrom clara mesmo sem eu tomar sol. E pardo não existe! Também meu nariz é uma batatinha. Os bicos dos meus seios não são rosados, são marrons. Meu cu não é rosado e minha avó era negra.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Acabou chorare

Há dias tenho tentado escrever. Há dias estou sofrendo.
Uma grande amiga está sofrendo por causa de um processo longo e delicado da deterioração humana. A sensação de que a morte poderia bem ser uma ótima visita mesmo que muito doída.
Uma outra amiga também está sofrendo. O risco de um aborto de um amor tão prematuro, um amor tão ansiado, tão necessário. Os dias que vivemos são inóspitos ao amor.
Outros amigos tentam se refazer a cada dia, estão ocupados tentando sobreviver.
O meu amor também está sofrendo. Sofrendo pela distância que nos oprime, pelos medos assombrosos, pelas diferenças que se agigantam e pela fraca capacidade de enfrentar o mundo.
E eu que cresci para cuidar dos outros, para tê-los perto, para dar colo, para ser suporte, estou longe. E por isso sofro também. Mas a verdade é que tão pouco poderia ajudar se estivesse perto porque hoje sou eu quem careço.
Uma cachoeira inteira deveria jorrar de mim, mas só eu sei que isso dói mais que um parto. Justo eu, que sempre me desaguei pela vida, sem constrangimento, sem medo, sem correntes. Por isso, dói ainda mais.
Ainda mais difícil é deixar-me entregue para ser cuidada. Ainda mais difícil é dizer que não está tudo bem, que preciso ajuda e que igual ainda não sei ao certo o que me atormenta e me paralisa. E não é por orgulho, é pelo costume de ser bengala, é pelo medo de me expor tanto e não contar com um porto, é pelo modo automático de sobreviver.
Preciso me encontrar.



"Acabou chorare no meio do mundo
Respirei eu fundo..."