quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Porque eu tenho raiva e só sinto tristeza

 Em um dos momentos mais difíceis da separação com o Jörg eu escrevi uma carta para conseguir elaborar as dores que tinha com a separação, o luto que existia. Foi um exercício poderoso e que nunca pensei que fosse repetir com você, com a nossa história. Mas aqui estou eu, escrevendo outra carta para um ex.

Nunca pensei que fosse escrever essa carta porque acreditei piamente nas muitas coisas que dissemos um pro outro, nos desejos que expressamos, na honestidade que tivemos sempre até chegarmos na situação de agora. E a situação de agora é que não tem mais um 1 centímetro de espaço na tua vida pra mim além do que restou na memória. Agora eu sou oficialmente passado e com isso você não foi honesto comigo. Por isso escrevo essa carta porque me dói isso, porque sinto raiva de você por agir sem um cuidadinho comigo. E eu acho que eu merecia, eu merecia alguma consideração, alguma dignidade nesse corte seco da nossa relação. Porque nós não fomos apenas namorados, fomos amigos, fomos por alguns anos melhores amigos. 

Sinto raiva porque você sabe que eu não ficaria feliz com uma ruptura assim. Sabe não só porque você me conhece, mas porque enquanto estivemos juntos eu perdi um amigo (dos grandes) e você viu de perto o quão doloroso foi pra mim. Eu me sinto tão reduzida a nada agora, tão qualquer coisa q pode ser descartada só através do esquecimento, sinto como se não tivesse importância alguma na tua vida, como se a nossa história fosse apenas um belo conto de fadas que eu inventei pra mim mesma.

Eu fico rememorando tantas vezes tantas coisas, as rotinas que tínhamos. Sempre nos falávamos no natal porque sempre foi uma data em que vivemos separados. E mesmo sendo só amigos, mantivemos durante alguns anos a importância disso. Agora é só um vazio. 

Uma parte de mim se culpa, miseravelmente, pela perda progressiva dos últimos anos porque fui eu que dei início a um maior espaçamento entre nós. Querendo me poupar de problemas com o novo relacionamento, fui deixando a gente mais em segundo plano. E essa parte que se culpa sente que, talvez, se eu não tivesse feito esse movimento, nós estaríamos nesse natal, depois de uma pandemia inteira, falando sobre nossas famílias, nossos planos pro futuro ano que chega já já.

Mas me culpar é, na verdade, o meu modo de não querer encarar o fato de que você não responder por meses a uma mensagem minha é uma decisão tua, é puramente a tua escolha e não tem nada o que eu possa fazer sobre isso. Porque por mais que eu tenha iniciado um outro ritmo de comunicação jamais chegou perto do nada que é agora. O nada que é agora é todo seu.

É difícil se ver nesse lugar, do nada, sem direito sequer a um "tchau, siga bem!". Ainda mais depois de termos falado tantas vezes como estávamos comprometidos em não empurrar o outro simplesmente nesse abismo. E eu tô só caindo incrédula, triste e furiosa. 

Te mandei um email porque no fundo tinha esperança que nem tudo estivesse perdido, que você se lembrasse que eu ainda estou aqui e pudesse ao menos me proporcionar certa dignidade e dizer tchau. Mas hoje é dia 28 e parece que não vou ter isso.  Dói muito... Eu não merecia isso, nossa história não merecia isso.

E o mais chato disso tudo é que por mais raiva que eu tenha agora de você, eu não posso só ter raiva total de você e te descartar porque mesmo cagando no final você foi uma das melhores coisas que me aconteceu. Porque a relação que tivemos foi a melhor que tive. E, até esse momento, isso me encoraja, me nutre, me incentiva. 

O próximo dia 28 será teu aniversário e 3 dias depois o meu. Espero que até lá, essa raiva e essa dor latente tenha se abrandado. Meu luto hoje é pelo amigo que você deixou de ser, pelas promessas que não foram cumpridas, pelo chute total que levei pra fora da tua vida.

E essa carta é pra mim, pra eu deixar ir, você e a silvana que acreditou que as palavras bastariam. Ingênua e romântica, um professor me definiu uma vez.

E a última coisa que quero dizer, acho, é que lamento, lamento muitíssimo que nossa história tão especial e bonita termine de um modo tão banal e vulgar. Eu realmente acreditei com todos os meus poros que seríamos capaz de criar algo melhor do que o mundo exige de nós. Eu já tinha falhado, mas continuava tentando. Desistir sempre me pareceu um caminho bobo demais. Espero que ao menos pra você isso valha a pena.


quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Receita romântica de série: faz sentido ser Emily?

 A nova temporada de Emily em Paris chegou e eu já a devorei, como faço com quase todas as séries que assisto. E é muito interessante como, mesmo com todas as mudanças tecnológicas e seu impacto no consumo por entretenimento, nada mudou na criação das representações dos dilemas românticos. Terminei a temporada pensando em como os motes para os encontros e desencontros são todos frutos de gestos de imaturidade emocional como, por exemplo, amando alguém com quem não se pode ficar e nem se desvencilhar, assumir um relacionamento com outra pessoa, envolvê-la com o amado anterior e sequer mencionar que já houve uma história. Um total de zero responsabilidade com as emoções do outro e as de si mesma. E por um instante, uma fração de segundos, pensei que talvez isso fosse necessário para fazer a história render. Mas ora bolas conviver com alguém pelo qual você está perdidamente apaixonada sem poder viver esse sentimento plenamente já rende muita coisa. É horrível, doloroso, exige maturidade para você ter senso de autopreservação, para lidar com a rejeição e seguir em frente etc. etc. Mas continuamos aprendendo na TV, no cinema, nos streams, que o caminho a ser feito é o do terrível fácil que se desenrola em sofrimento e bagunça até que haverá, em algum momento, um felizes para sempre. Mas na vida real, muitas vezes o final é só sofrimento e isso nem deveria ser surpreendente se ao longo do caminho tudo foi feito atropelado. A vida é cheia de complexidade e reduzir isso nos aprisiona num lugar infantil em que não criamos recursos para lidar com a dor, com a rejeição, com o interdito do desejo, com as emoções múltiplas, com as diferenças numa relação.

A vida já nos fornece camadas demais para lidar sem que seja fruto de irresponsabilidade emocional. Veja meu caso:

Saio com alguém por quem tenho apreço, carinho e desejo sexual, mas não interesse em manter um relacionamento imediato. Ao longo do processo de nos conhecermos, percebi que parte da personalidade dessa pessoa me gera gatilhos emocionais, coisas que estão enraizadas na minha relação com meu pai. Ao lado disso, nutro uma relação de amizade com alguém que sinto imensa admiração e carinho, uma relação que alimenta um desejo de companhia (afetiva, certamente; sexual? não sei). E, vivendo tudo isso, estou em contato com o luto da perda da amizade que tinha com um ex-amor, que foi vivido tão intensamente e feliz que é, até então, meu parâmetro do que espero construir num relacionamento com outra pessoa. Há dias, como hoje, que sinto uma saudade aguda dessa pessoa, do que tivemos em particular e do tipo de relação que desejo vorazmente. 

É demais, mas está tudo aqui e eu preciso aprender a lidar com isso de um modo responsável. Se fosse seguir a receita da série: eu oficializaria um namoro com o ficante, me sentiria fragilizada toda vez que os gatilhos aparecessem e buscaria consolo e proximidade com o amigo, que acabaria virando um amante e tudo isso desejando mesmo o ex-namorado. Percebem que isso só pode terminar em felicidade na ficção? 

É absolutamente aterrorizante chegar aqui e não ter uma conclusão, um conselho, uma receita do que fazer. Mas é ainda mais horripilante pensar que podemos seguir nossas vidas dificultando ela por falta de referência, de consciências das suas próprias emoções. Não desejo nada para mim que se pareça com a série. Como todo mundo, desejo um amor livre e leve feito brisa, mas sem transformar a mim e aos outros ao redor em cacos pelo caminho.

Ser rio

Quando eu era adolescente e ficava triste como agora, eu subia pra laje da minha casa e ficava lá às vistas e às cegas ao mesmo tempo. Podia ficar só, sentindo a tristeza que tinha mais do que razões pra existir. Agora eu não preciso me esconder na laje, tenho uma casa só pra mim, posso ficar triste sem me preocupar em ser vista com toda a minha vulnerabilidade. Esta, que cresci recusando porque acreditava que me enfraquecia. Hoje eu já sei que não, mas meu corpo em muitos momentos acha que sim. Por isso, prende o choro de tristeza com tanto afinco... o medo de me afogar no sentimento é imenso e me contorço, reprimo e confino a dor nalgum canto que não atrapalhe. Pronto! Sigo em frente. Mas a dor, a tristeza fica comigo. Como é difícil ser rio, ainda que eu seja água.