sexta-feira, 31 de maio de 2013

Homo nu

O universo masculino é recheado de permeios, de hesitações, de desfaçatez e de riscos. Tudo muito mergulhado em liames diversos e tênues. Mas se tem algo comum na crueza do universo masculino é a covardia. Os homens são covardes! Simples assim, sem invenções e demais explicações. Covardia nua. É um tipo de covardia infantil, cheia de pirraça, de raiva reprimida, de vergonha camuflada, de medo sufocado. Daquelas que um menino sente quando erra com alguém, mesmo que o erro seja acidental. Vai ele assumir que errou? É mais fácil inventar uma guerra inteira do que expor a fragilidade. Porque se tem uma coisa que não cabe no universo masculino é a fragilidade! E como os homens sofrem com isso... E como são covardes em permitir um espaço pra ela...
Mas a covardia masculina fere a todo instante o universo feminino, quando trituram cada força dali para impor a ilusão de uma coragem, sobre-humana. O menino errante covarde teima em não encarar a mãe, teima em utilizar todos os seus subterfúgios do que se permitir ser errante. E nas horas do erro, nas horas da fraqueza, toda mulher parece ser vista pelo prisma maternal, com autoridade para cobrança. Mal sabem eles que os enfrentamos sempre (e mais) como se fossem nossos pais, porque para que possam negar suas fragilidades eles nos atacam com o ar de autoridade devida. E mais hora ou menos hora a covardia masculina nos alcança, mulheres. 
Ela me toca quando o homem confunde compartilhar com possuir, elogiar com exibir, expressar com supor, conversar com fugir, acolhimento com cobrança, pegar com tocar, permissão com obrigação, afeto com tesão, convite com força.  Ela me toca quando resolvem escolher por mim!  Que saibam todos: nenhuma coragem  prescinde da fraqueza!


terça-feira, 28 de maio de 2013

Paris

Ir a Paris poderia resolver todos os problemas, acalmar os anseios e diluir as angústias. Quantas pessoas não desejam todos os dias, entre suspiros e leves sorrisos, ir a Paris? Eu queria poder me livrar dos apertos que me acompanham, da sombra solitária que não me larga e do eco que ocupa meu espaço. Mas minha Paris é outra! Busco um refúgio. Qualquer espaço que aceite ser Paris e me acolha e me envolva nos momentos em que preciso largar de mim... Naqueles momentos em que já não é mais suportável a árdua tarefa de escolher meu caminho, de fazer com que ele exista. Porque, às vezes, o cansaço se apossa do corpo alheio.
E Paris podia ser um peito fraterno, um abraço respirado, um humor lançado, um beijo estalado, uma música cantada ao pé do ouvido. E podia ser tudo isso junto! Procuro alguém que aceite ser minha Paris! Um porto, fixo e receptivo. Meu porto seguro, meu refúgio, onde me escondo para me refazer. 
Enquanto Paris continua lá longe, me carrego com o peso de aprender a viver só... Porque Paris pode não existir além do meu anseio. Mas quando me perguntam como vou, nos meus pensamentos, respondo sempre "Eu quero ir a Paris!".

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Inteireza

Antes que a razão pudesse sequestrar minha mente e mudar seu rumo, a música, a companhia, o movimento e a dança sequestraram meu corpo e fizeram dele coisa incomum. Meu corpo, morada de tantos sorrisos, gracejos, angústias, tormentos, amores e dores... Meu corpo refez o meu estar no mundo. Não precisou de muitas teorias, nem de pensamentos filosóficos, nem de sentidos conscientes. A vivência fez pulsar entre o desagrado, desagravo e o sublime. Bastou sentir!
Coisa incomum fiquei, virei. Na excepcionalidade de viver fui, como outros, seguindo em frente, refazendo a vida, reescrevendo o futuro, me reinventando. Tarefa árdua e pesada, mas tão compensatória essa liberdade de coisa incomum. E depois, só depois, a razão veio e completou o que carecia a vivência. E não era sentido! Eram as ferramentas para um estar fluido e conciso no mundo.
Hoje sigo na inteireza de ser, na fluidez de passar, no toque de amar, nos saltos para voar, na tonicidade de sentir, na intensidade de compartir, no cuidado do encontro, no acolhimento do outro, na sedução do gozo e na proteção do permeio. Hoje sigo coisa incomum na excepcionalidade de viver!

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Aconchego

Hoje perguntaram-me se eu estava feliz porque sorria muito. (Sim!) Também estava extasiada, preenchida e leve. Na hora não me dei bem conta das razões para felicidade tão oportuna, mas depois reconheci o que me tomava em demasia. !

Aconchego

Dos encontros fortuitos e tão realizadores,
dos sorrisos saudosos que gracejavam no ar,
das telepatias que matam saudade,
dos rodopios e arrasta-pés,
das gargalhadas e desventuras partilhadas,
das resoluções,
dos ganhos,
dos prêmios,
da compreensão,
dos diálogos,
dos desconcertos e sustos,
das cores que pintam as lembranças,
e dos abraços gratuitos, acolhedores e perfumados.
Vinte e quatro horas de puríssimo aconchego! (rs.rs.rs.rs.rs.rs.rs...)

domingo, 5 de maio de 2013

Onde habita o feminino

Aquilo bateu em mim como uma facada no útero...
(E desde quando o útero dá conta do que é o feminino?)

A primeira vez que conheci o sexo, beirava os 20 anos de idade. Foi uma escolha livre e consciente de o conhecer somente quando o meu corpo encontrasse a liberdade de ser corpo, de pulsar em seu desejo e não no alheio. Para isso nenhum príncipe precisava existir, nenhuma ilusão de que a primeira vez devia ser fruto do amor. Era uma questão prática, mas também de sentimento íntimo por mim mesma - o mais difícil de alcançar.
Conhecer o sexo... Que posso dizer além de um trocadilho tosco, mas verdadeiro - foi um prazer! Foi o primeiro passo na conquista do feminino. Ainda era uma menina, madura, mas menina... Um rascunho mal desenhado de uma mulher. Não queria ser mulher. Assumir esse nome que nada tinha com um rosto infantil, um corpo infantil - o mesmo desde os 14 anos de idade. (Ainda hoje me pergunto se o cara com quem transei a primeira vez não tinha um certo gosto pedófilo.) Eu não queria mesmo era crescer, arrastar as correntes da vida adulta - vida de trabalho, de sobrevivência, de sofrimento. Como o tempo é inexorável e devastador, não resisti por muito tempo e nem sem dores.
O que mais gostei do sexo foi me realizar, despertar partes desconhecidas e deixar o corpo falar. E como o corpo fala... Mas não foi o sexo que me tornou mulher. O contato com o universo do masculino é que me fez mulher, mais do que isso deflorou o meu feminino. Mas não no que se pode pensar em termos de uma "ordem natural" das coisas. Foi na limitação do masculino, no seu inevitável cansaço, na sua pequena morte de prazer que me vi tão incompleta e tão insatisfeita.
O feminino, que antes julguei tão limitado, mudou de tom, de cheiro, de sabor e de sentido quando me toquei. Por que ao toque precede o desejo, a sedução, o irresistível, o apreço, o afeto. É preciso que o feminino se torne a contento, que tenha contorno, adorno, maciez de ser. Ali, eu me fiz mulher! Livre, independente, leviana e banida do paraíso.


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Há muito vinha desejando uma aparição. Um rosto suave de sorriso largo e olhos reluzentes como de uma coruja. Uma aparição que me roubasse da minha vida por um tempo e me jogasse em mares que eu nunca naveguei. Uma aparição que do lugar do feminino me conduzisse a um prazer de tantas fantasias.



Ontem em meio a tanta coisa estranha, tanta gente de outro planeta, tanta diversão com nada, num lugar tão fora de lugar, encontrei um cantinho tão quentinho num sorriso. E o sorriso vinha acompanhado de uma mulher com jeito doce de menina, uma descontração, um lamber de lábios antes das palavras, uma gentileza que se fazia próxima. Deus! Como me senti atraída por aquela mulher?! Um sentimento estranho de desejo e de desconcerto. Queria que tudo ao redor ficasse em suspenso para poder conhecer aquele cantinho e quem sabe descobrir um mundo ali. Ao mesmo tempo não tinha ideia do que ser. Um medo de invadir aquele espaço, de não reconhecer o limite - de certo algum limite havia.
Nunca estive com alguma mulher, mas há tempos já conheço o feminino. Gosto do feminino. Em relação a mulher, não se trata de curiosidade, nem de safadeza, nem preconceito, nem repressão. Trata-se de ocasião. Nunca uma ocasião favoreceu um encontro desejoso. Nunca até ontem. De minha parte, ficou a vontade, um querer mais. De ambas, uma possibilidade de contato qualquer, trivial.
Hoje, meu corpo deseja imensamente aquele lugar: corpo leve, gentil com o espaço, risonho de ocasião e convidativo em interesse. Meu ventre queima e agua, meu coração acelera enquanto mil fantasias inocentes passam pela minha cabeça. Não posso imaginar seu corpo. Nenhuma visão em detalhes além de rosto, cabelo e mãos foi possível. E me pergunto como pode ser tamanha reação...

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"É preciso ter ainda um caos dentro de si para gerar uma estrela que dança."
"No mundo as melhores coisas nada valem se não houver alguém que as ponha em cena." (Nietzsche)





Toque

Contato a gente faz assim, nas palavras não ditas, nas lágrimas contidas, nos aterradores gritos em silêncio. Shhhhh! É bom prestar atenção no que os silêncios dizem, cantam, ecoam.
Contato a gente também faz nos sorrisos resistentes, nas piscadas, no saltitar de sobrancelhas, no ritmo cardíaco acelerado. E há ainda todos os tremores, apertos e retorcimentos que o corpo diz. E todos eles se vestem de silêncio.
Ficaram ausentes as palavras, mas não o contato.