segunda-feira, 18 de junho de 2018

Vulnerabilidade ou o que significa ser durona

Eu sou uma dessas pessoas que enlouquecem numa papelaria. Da viagem breve que fiz para a Alemanha, trouxe chocolates, papéis de presente, carimbos, fitas adesivas, ferramentas de papelaria, etc. Não trouxe mais coisas porque não tinha dinheiro. A lembrança mais antiga da minha relação com objetos de papelaria está relacionada com um presente de natal da minha madrinha, que ela esqueceu lá em casa sem querer e eu achei que era um presente do papai Noel para mim. Aquela caneta da Angélica com cordão e cheirinho nunca voltou para as mãos dela e eu não tinha mais que 6 anos. 

Com 7 anos eu tive uma caneta que imitava uma vara de condão, com uma estrela na ponta que tocava "Chorando se foi". Ela era para acompanhar a minha primeira agenda - uma agenda do estudante da Tilibra. E de lá para cá, tive várias. Mesmo adulta e cheia de compromissos, nunca consegui usá-las para o que serve. O mais perto disso, ocorreu durante 2 anos seguidos em que eu as usei como livro de memórias, anotando os eventos ocorridos e deixando alguma lembrança dos fatos. Decerto foi quando eu melhor fiz uso de uma agenda. 

Mas concorrendo com o meu amor pelas agendas, sempre existiu o meu interesse e esforço por ter diário. Tive alguns, mas nunca conseguir manter um confidente tão íntimo, tão preciso e com tanta honestidade. Nunca. Ter e alimentar um diário significava abrir mão do medo de que alguém descobrisse o que eu sentia e, obviamente, com irmãos esse é um risco muito grande.  Mais ainda significava expor as minhas vulnerabilidades. Isso para mim significava (talvez ainda signifique) fraqueza.

Fui criada como filha mais velha, que deve cuidar dos menores, ser exemplo e responsável por eles. Não havia espaço para fraqueza, nunca houve. Também não havia espaço para eu mostrar meus sofrimentos, meus sentimentos. Meus pais foram, a maior parte da minha vida, muito fechados sobre si mesmos. Todos usávamos máscaras, alguns de modo mais bem sucedidos que outros. Talvez eu esteja no topo. 

Cresci me sentindo vulnerável todo o tempo. Em parte, porque me sentia menos amada e buscava desesperadamente causar o menor desagrado possível para não por em risco o "pouco" amor que recebia. Isso me tornava a filha com que eles não precisavam se preocupar tanto e, por conseguinte, a que não precisava receber muita atenção. Era um círculo vicioso para mim, que deixou um registro profundo de solidão e desamparo. [Talvez por isso o meu primeiro amor infantil tenha ficado com uma lembrança tão forte e tão séria na minha memória, ele foi sério; eu precisava me sentir amada.]

Além disso, tem o caráter da sensibilidade. Eu sou super sensível, emocionalmente. Uma libélula lambe a superfície do que sou e logo tudo em mim se eleva em ondas de longo alcance. A escrita e a escrita poética foi um meio que encontrei de extravasar as sombras que me seguiam. Na escrita poética, sobretudo numa família com histórico de baixa escolaridade, encontrei refúgio. Mas nunca se tratou realmente de assumir e de revelar as minhas vulnerabilidades.

Ainda é difícil. Tudo que já expus até agora é fruto de um longo processo de auto conhecimento gerado na terapia. Talvez por isso eu tenha escrito mais "diarinho" no blog do que "poesia do alívio". Estou me livrando aos poucos da amarra que a poesia pode ser, a de nos prender ao olhar indireto da dor. Aliás, a fraqueza vem daí: em não vendo a dor como ela é, em evitando-a ao máximo, se encontrar sem armas e sem defesa para aquilo que atormenta. Há mais força em assumir a vulnerabilidade do que em escondê-la.

Ainda é difícil e talvez seja sempre. A questão é que pode ser um difícil mais feliz.