terça-feira, 22 de abril de 2014

Fortalezas

Quando eu tinha sete anos eu arrumei um namoradinho na escola. Não sei hoje como está o recém saído CA/jardim de infância, mas naquela época ter um namorado era algo super badalado e ingênuo. Nós, as crianças, namorávamos por cartinha. Eram cartinhas prometendo amor eterno, com corações, acompanhadas de um doce, carinho e muita vergonha. Não lembro quantas vezes de fato eu entreguei pessoalmente alguma cartinha para o meu namorado Fábio, só lembro que eu achava ele um luxo só. Tinha olhos verdes, cabelinho russo penteadinho de lado. Ele era dois anos mais velho que eu, estava na 3ª série, e sua sala tinha a porta de frente para a minha. Todo mundo queria namorar ele ou alguém como ele, sua aparência era muito polida. Não sei como e nem porquê ele se encantou por mim, justo eu que mais parecia uma maria-dormideira de tão sem graça. O fato é que ele se encantou, me enviou uma cartinha de amor e logo começamos a namorar. Tudo era um sonho até que me deparei com o primeiro grande desafio da vida escolar: um convite para resolver lá fora alguma pinimba.

É bom que se entenda algumas coisas sobre aquela época. A primeira delas é que eu estudei dos 3 aos 5 anos numa escolinha perto da primeira casa em que vivi. Os meus 6 anos se passaram longe da escola porque eu não podia ingressar tão jovem na primeira série e tampouco fazia sentido repetir o CA. Mas essa não só era uma escola nova depois de um ano sem escola, era também uma escola num lugar completamente desconhecido, pois ficava numa outra parte do bairro. Era também uma escola de verdade, grande, de vários andares, com muitas crianças, muitas turmas. A minha turma era a 106. Isso mesmo, seis turmas de primeira série! Era um mundo novo e assustador.

E com estes dois pontos chegamos a questão desta história: o medo. Para aprender a lidar com o assombro que aquele novo espaço representava para mim, eu enchia o peito e pedia a professora a licença de sair da sala para falar algo importante com a minha prima. (Uma prima minha também estudava na escola.) Seguia até a sala da minha prima, interrompia a aula e pedia pra falar com ela. Eu não tinha nada importante pra dizer, sequer tinha tanta simpatia e intimidade com minha prima. Não éramos super amigas, só primas. A verdade é que eu só queria ver um rosto familiar e sentir que ali era um lugar no qual eu sobreviveria. Depois caminhava de volta a minha sala para seguir a vida. Cada vez que eu fazia isso, meu corpo se desfazia por dentro de tanto medo da "Tia" não deixar ou brigar seriamente comigo por interromper a aula. Mas nunca tive problemas e acho que sempre representei bem o papel.

De volta ao namoradinho, aconteceu que ele tinha uma irmã muito da ciumenta que jurou que arrebentaria a cara da menina que ousava namorar com ele. Vejam bem... Eu era uma menina de sete anos, mais fina que um poste. Apelidos como magrela, Olívia Palito e esqueleto humano me fizeram companhia toda infância. Eu fui a primeira da fila durante sete anos. Não só era a mais magra como a menor de todos os alunos da minha turma. Qualquer um era maior que eu e podia me quebrar em duas. Quando a Fabiana disse que me arrebentaria, eu ouvi. Foi no recreio e ela ainda não tinha certeza que a tal menina era eu, só sabia que era alguém do meu grupinho de amigas. Eu vi e ouvi ela e sinto medo até hoje com aquela lembrança. Minhas amigas perguntavam o que eu iria fazer. Um bilhetinho chegou até mim com a data, a hora e o local marcados para a briga. Meu coração disparou, minhas pernas tremeram (eu acho). Só pensava que não só apanharia dela como também da minha mãe. Eu era boa aluna, sempre fui. Brigar significava sair da linha e decepcionar a minha mãe. Nossa! Quanto sofrimento! Se eu fugisse, aquela escola gigantesca cairia sobre mim...

No local, data e hora marcada eu estava lá. Enquanto por dentro eu me desmilinguia toda, por fora eu posava de segura e superior. Ela veio com um jeito marrento me fazendo perguntas do tipo "Então você é a namorada do meu irmão?! Como você tem coragem? blá blá blá". E eu apenas disse que ele é quem foi atrás de mim e que, portanto, ela tinha era que brigar com ele. Talvez tenha dito também que tinha pena dele ter uma irmã maluca como ela que queria só bater em todo mundo. O fato é que ela não esperava por aquilo e logo a marra toda se desfez. Não só não brigamos como um tempo mais a frente nos tornamos super amigas. Um mérito: nunca briguei com alguém na escola.

E hoje, eu me encontro com a árdua tarefa de carregar essa armadura que em algum momento criei. Uma fortaleza inteira para esconder as pernas bambas, o suor frio, as incertezas, os medos. Tornei-me muito boa em manter uma segurança convincente quando por dentro o mar está de ressaca. Bem verdade que isso funciona muitas vezes para o meu bem. O problema é que eu ainda não aprendi fazer diferente e essa "segurança" muitas vezes assusta quem eu quero perto e bem. A moral da história é que é melhor ter filtros do que fortalezas.







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