segunda-feira, 26 de maio de 2014

Rascunhos de romance


 I. O silêncio dos olhos

Falavam-se com a frequência que a vida do dia a dia e a saudade permitia. Às vezes se viam por alguns minutos, às vezes por horas. O tempo ainda não passara forte como vento que enverga os galhos das árvores e por isso o querer ainda era tudo o que existia ali. Destes encontros colhiam-se sorrisos, meninices, meiguices e algumas fantasias, nem sempre doces nem sempre ardidas. Sobretudo, tudo era leve e fugaz como bolha de sabão. Um suspense infinito até a explosão de todas aquelas cores que bailam no ar.

A distância de vidro que os separavam se fizera no instante em que se conheceram. O caminho em que se cruzaram era o mesmo que os levavam para direções diferentes. Talvez isto, o brilho da passagem ou a incompletude do encontro tornara tudo tão intenso, tão singular. O acaso faz mesmo tudo ser mágico. E era esta magia que encobria os sentimentos que se armaram como chuva de verão naquele sete de setembro.

Mas estas são informações para que você, leitor, não se encontre perdido naquilo que me interessa contar. Interessa-me que saibas sobre o silêncio que imperava alguns segundos naquelas conversas, naqueles encontros. Havia momentos intensos em que tudo silenciava para que os olhos pudessem dar liberdade para aqueles desejos e sentimentos profundos de que a gente tem medo de pronunciar. Porque uma vez pronunciados em voz alta é preciso ter culhões para dar-lhes consequência. No silêncio dos olhos não. Fica tudo como uma partilha de segredo cochichado ao pé do ouvido enquanto se escondem embaixo da mesa ou de baixo do lençol. Ou como murmúrio de sono que acompanha o abraço de conchinha.

E aquele tempo de silêncio era como um balde de eternidade fria, gelada de doer os ossos. Não houve nenhum outro momento entre os dois em que se disse tanto do que existia ali. No silêncio dos olhos se amavam imensamente.


2 comentários:

  1. Você pretende terminar esse romance?É impressão minha ou a literatura é a última das suas prioridades?Só estou perguntando...

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    1. Quando escrevi, nem sei se a ideia era dar continuidade. Só sei que escrevi num momento pouco antes do turbilhão de sofrimento. Talvez por isso tenha ficado esquecido por aí. E o romance real de que falo nestas linhas tomou contornos muito diversos. Mas relendo hj esse texto, fiquei feliz de ter registrado o que de mais bonito teve nesse encontro, essa cumplicidade do olhar.

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