quarta-feira, 22 de junho de 2016

Submundos

Faz algumas semanas já que ando cavando dentro de mim para descobrir meus submundos. Semanas é bobagem! Na verdade, é um processo mais longo que isso, mas nestas algumas últimas semanas tenho revirado e alcançado mais minhas sombras. Claro que esse não é um processo fácil e muito menos indolor. Descobrir o meu modus operandi tem sido tão cansativo que sempre penso "Difícil! Muito difícil...". E descobrir não é a tarefa mais árdua de tudo; mudar, construir outro modo de viver é.

Bem! Das minhas descobertas registre-se: 1. opero na cisão e oscilação entre uma que é puro desamparo, só e fraca, e entre outra que é força, independência e igualmente só. Numa me afundo, me fragilizo, me vitimizo do mundo. Tão indefesa que chega a ser ridícula e tosca. E, sobretudo, doída. Sê-la dói em cada pedaço, em cada respiro. Por isso, tem a outra. A outra controla tudo, desafia a vida, persiste em ser, se reinventa para ser. Sê-la cansa cada pedaço, cada respiro, cada suspiro. Por isso, tem esse corpo que você vê, que tenta estar e carregar essas duas. Apesar de todas as coisas boas e amáveis que partem e atravessam ambas, este é um corpo de dor e de cansaço. É um corpo só, tentando desesperadamente ser algo aqui e além.

Registre-se também que junto a isso, eu abraço o mundo. Cuido do mundo mais do que de mim. Que não sei dar pausa para sentir tanto quanto não sei dançar tango ou sapatear. E que minha tentativa de controle das emoções que transbordam, ganham voz de autoridade e ar de filosofia. Na minha cabeça, nada tenho com o fato de parecer uma deusa dos assuntos resolvidos, das emoções compreendidas e explicadas. Mas a verdade é que eu escrevo o tempo todo, que rascunho diagramas emocionais, crio nexos e teses sobre os sentimentos e com isso posso falar deles sem derrubar uma lágrima quando estou absolutamente destroçada.

Registre-se que, completando o pacote, eu não sei pedir ajuda. Revelar minhas dores e angústias, deixá-las passear por aí... Isso não faz parte da minha realidade, pensar nisso é carregar um peso extra. Porque fui instruída para ser o forte, porque pouco tive de complacência, porque eu parecia tão forte e tão boa que pouco tive de cuidado. Porque era um fato que sempre havia outros menores e mais indefesos, sempre havia alguém para eu cuidar. Não ser autossuficiente para lidar com os meus dramas pessoais era sinônimo de fracasso e de fraqueza.

A gente passa décadas vivendo em submundos sem reconhecê-los. A gente faz escolhas medíocres, medrosas, irresponsáveis e pensa que são claras como a água, pensa que fazem parte da superfície da vida que vivemos. É que a gente nunca pressupõe que há muitos caminhos e túneis invisíveis que ligam os nossos submundos à superfície de quem a gente é. Ver quem a gente é sempre incorre nas interferências do olho, do espelho, da cabeça que decodifica a imagem e dos sentidos que as sente.

Em verdade, em verdade vos digo: é preciso sempre levar os olhos da escuridão para a claridade e vice versa, para que a gente não se espante com as sombras e nem se ofusque com a luminosidade.



Um comentário:

  1. Talvez não derramar lágrimas seja o problema, Silvana. Escrever é ,de fato,chorar,cair em pranto às vezes- mas de um outro jeito.Poemas devem ser vertidos-como lágrimas.Não existe poesia sem angústia(e é bobagem tentar controlar suas emoções quando elas são tão intensas).Sofrer é,para as pessoas com sensibilidade aguçada,inevitável;o importante é,portanto,sofrer bem(como disse Sabino à Clarice),sem ser escravo de sua angústia.Sublimação pode ser o termo mais adequado.E ela só acontece quando o poema é vertido.
    Outra coisa:ninguém pode ajudá-la nesse processo(o processo de encontrar-se e fundir suas partes fissuradas para chegar a uma terceira via).O contrário é mais provável.Alguém que sente o mesmo que você(mas não pode expresaar tal sentimento)pode,ao ler seus escritos,encontrar neles uma razão para continuar.Isso chama-se diálogo;é só assim que a poesia(e a literatura em geral)se realiza- deflagrando o real.Escrever,Silvana,significa estar só(durante o processo,pelo menos).
    Não há fio para nos guiar para fora do labirinto que decidimos adentrar.E é no labirinto que nos encontramos.Depois de ter a coragem de nos perder.Assim conhecemos nossos escuros e nossos claros,assim nos conhecemos e reconhecemos;e o vazio de não nos conhecer pesa muito mais que qualquer dor ignorada,qualquer angústia negligenciada,pois a isso chama-se nadificação. Não podemos fingir que não sentimos dor,não podemos fingir que não sofremos,pois o sofrimento é próprio da nossa condição- bem como superá-lo.
    Não existe fio,mas podemos criar asas e voar para longe,uma vez que as feridas são tratadas- e libertadas.Com o canto,a dança,o grito,o movimento.Reconhecer o submundo como tal,isso sim é prova de força;e atravessá-lo é prova de coragem.Mas para isso é preciso vontade ,sabendo que não seremos os mesmos após a travessia.
    Entregue-se,Silvana.Ouça o chamado.Não há escapatória nem retorno.Não negue quem você é.

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