quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Coisas fora do lugar

Porque se felicidade fosse um sentimento para ser constante, ela seria apatia. 

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Algumas pessoas vão dizer que estou no meu inferno astral, outras dirão que as mudanças fazem parte da vida e outras que há males que vêm para o bem. Eu vou apenas dizer que estou numa fase em que as coisas estão fora do lugar.

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Eu sempre fui magrela. Esqueleto humano ou Olívia Palito era como minha irmã me chamava para implicar comigo. Eu fui a primeira da fila da turma, com exceção de 2 anos: na primeira série, existia a Flavinha, que sofria de nanismo; na quinta série, a aluna nova Stephanie me superou, mas foi da minha turma só nesse ano. Eu era a última a ser escolhida para os times de jogos ou esportes. Odiei sempre as aulas de educação física, com exceção de quando jogamos handebol e meu biotipo representava vantagem. Eu pude jogar sem ser atropelada ou deixada de lado. Com os meninos era fácil não ser considerada como opção, as meninas "com corpo" brilham um tanto mais. Até os meus 20 anos, meu peso normal era 42kg e não era por falta de comida. Aliás, as pessoas costumavam me oferecer a geladeira quase sempre. Eu engordei com o anticoncepcional uns 4kg e rompi a marca dos 42 para, até hoje, nunca mais voltar. Ainda assim, eu vestia as calças de 10-11 anos da C&A. Uma mulher com roupa infantil se beneficiando da tragédia do processo de adultização das meninas. Conforme fui envelhecendo fui acumulando de tempos em tempos 2kg. Cheguei, finalmente, aos 52kg aos 28 anos. 52 era a marca que pelos cálculos de idade e altura, eu deveria estar desde os 20 anos. Com essa marca eu passei, finalmente, a vestir calças tamanho 34 (menor numeração adulta) de boa. Na felicidade, até alguns modelos 36 serviam. Parei de sofrer. Eu tinha uns pneus bem pequenos nas laterais e uma pancinha, mas estava feliz. Eu também tinha peitos mais redondos, um colo que não marcava meus ossos, ombros que deixaram de ser pontiagudos, bunda que podia resistir mais tempo sentada sem sentir dor pelos ossos dos quadris. Eu não tinha um mega corpo, mas me via uma mulher atraente porque eu me sentia feliz com meu corpo.

Nos últimos meses, perdi 4kg gradualmente. Na perda do primeiro quilo, eu já ouvi: "Você emagreceu, é?". Quando a gente é bem magra, cada quilo faz uma diferença absurda e notável. No último fim de semana, alguém que não me via há um bocado de tempo me reencontrou e perguntou se eu estava bem e porque tinha perdido tanto peso. Vocês lembram da imagem do Cazuza no show do Canecão, pois eu me senti como se estivesse daquele jeito. Foi a primeira vez que associaram tão diretamente a minha perda de peso com uma doença, mas ao longo dos últimos meses fui interpelada cada vez sobre ter emagrecido. Meu medo é perder ainda mais e não voltar. 

Meu corpo está fora do lugar.

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Quase sempre na minha vida as coisas confluíram para um encaixe harmônico. Bem aquela coisa de surgir no momento certo aquilo que eu precisava. Isso não quer dizer que as coisas chegaram até mim de modo fácil. Não mesmo. Ralei muito para conseguir cada coisa. O que aconteceu, geralmente, foi de essas conquistas se encaixarem mais ou menos bem no tempo e no espaço. Por outro lado, também amarguei umas boas em situações que erros humanos tornaram a minha vida um pouco pior, daqueles azares gratuitos da vida. O fato é que nunca estive como agora, sem trabalho, sem dinheiro para pagar as contas no mês que vem e sem nada no horizonte que me permita vislumbrar possibilidades. Uma vida inteira lutando para ter uma vida modesta não é suficiente em alguns momentos e isso pesa e dói um bocado. Eu, que desde os 19 anos, tinha com o que me virar, me vejo cansada e flertando com o sentimento de fracasso.

Minha autonomia está fora de lugar.

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Minha vida afetiva-sexual foi marcada um bocado de tempo por uma auto estima relativamente baixa, em parte pelas questões sobre o meu corpo, em parte pelo processo de me constituir enquanto mulher. Ao longo de pouco mais de 10 anos, mais ou menos, acumulei umas 8 aventuras afetuosas e sexuais marcantes e felizes, um relacionamento de quase 7 anos, onde consolidei minha base mulher, e um relacionamento de 1 ano e meio, no qual aprendi o que é um relacionamento emancipador. Meu pacote das experiências ruins era leve, beneficiado em muito por serem flexionados por questões além do controle meu e de outrem, como a idade ou a inexperiência ou os medos. Desde o ano passado eu estou solteira, mulher adulta independente solteira. Solteira por escolha madura de não estirar o melhor relacionamento da vida. Claro que a escolha não exime a dor da saudade. Claro que o melhor relacionamento da vida se torna uma grande referência. Claro que o processo de luto é importante e deve ser respeitado. Tudo anotado, compreendido e sentido. De lá pra cá, me propus aventurar-me com 5 pessoas, um lote que tem dado um pesinho extra ao saco de experiências ruins, no melhor dos casos, Ok. Quase 10 meses e nenhum gozo que não tenha vindo pelas minhas mãos. 

Meu prazer está fora de lugar. 

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Menos de duas semanas para trintaeuntar. Uma amiga da escola dizia que 30 anos era horrível, que ela iria pular os 30, repetir os 29 ou avançar para os 31. Eu senti o peso de ser adulto à vera nos 29, quando os principais assuntos da vida dos meus amigos e da minha vida passaram a ser filhos, casa, carreira profissional e separações. Eram coisas grandes, responsabilidades daquelas que não tem para onde correr porque implicavam em consequências igualmente grandes. Os 30 só confirmaram que a gente leva vida dura, difícil de administrar. Não me senti mais velha por isso, me senti diante de desafios maiores, com mais riscos. Eu queria comemorar os 30 com grandiosidade, mas a rotina da vida adulta exigiu comemorar com calma e tranquilidade. Eu sempre fui aquela que ama comemorar aniversário, que moveria céus e terras para que todas as pessoas queridas e amadas estivessem reunidas no níver meu ou de alguém. Acontece que faço, do ponto de vista das comemorações, o aniversário num dia ingrato. Fim de mês e início de ano. Ninguém tem grana ou tem grana e o resultado geral é igual, a escassez de convidados presentes. Isso já abalou meu espírito algumas vezes. Mas aprendi a não achar que meu aniversário é o acontecimento mais importante do universo e que a ausência das pessoas não significa que elas me amem menos. Nunca acreditei nisso de verdade, mas às vezes as ausências criam vazio e vazio é lugar de desamparo. 31 no 31 devia ser mesmo motivo de comemorar, não vai mais se repetir a coincidência numérica. Mas se me perguntarem hoje qual o meu plano para o meu aniversário, eu vou dizer que o plano é M - O - R - R - E - RRRRR. O espírito da renovação não está aqui, pela primeira vez. Não há sugestão de comemoração que me faça imaginar de que seria feliz, mas a imaginação de não comemorar me faz acreditar que poderia ser ainda mais triste. "Oh vida... Oh céus..."

Meu espírito de renovação está fora do lugar.

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O resto ainda não escapuliu do lugar. Os amigos e as amigas ainda estão por aqui por perto. O bom senso deles e os conselhos também. A boa vontade de me ajudar nunca faltou. A amizade sem par de um grande amor, me acompanha em cada desafio. A casa ainda está aqui também, abrigando a mim e aos problemas. A família tá no zelo possível sempre ali. E por isso tudo, eu ainda não me desesperei completamente. Eu ainda estou aqui, me contorcendo de aflição, mas no lugar.

Eu ainda estou no lugar.

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