sábado, 7 de janeiro de 2017

Medo de não ser ou reflexão pré-níver

Eu cresci num marco de possibilidades muito diverso do que os meus pais e familiares. Eu não precisava apenas sobreviver. Podia fazer escolhas de vida, embora nem soubesse ao certo o que isso poderia ser e significar. A única coisa que era clara para mim era o que eu não queria ser. E eu não queria ser parecida com as referências que tinha próximas a mim. Eu não queria ser dona de casa, eu não queria ser alguém dependente, não queria ser alguém sem conhecimento, ignorante, não queria ser uma mulher que precisava de algum homem para viver, não queria ser alguém presa pelas possibilidades. E eu não queria todas essas coisas já desde muito criança. Por isso, eu estudei. Sabia que fosse o que fosse que eu deveria fazer, o caminho passaria pelos estudos, pelo conhecimento.

De lá pra cá, foi um caminho um tanto solitário. Fiz as principais escolhas da minha vida sozinha. Sozinha porque eu estava operando num universo estranho à realidade dos mais próximos e mais velhos. No âmbito da minha família, eu estava desbravando mundos nunca antes explorados. Esse caminho é mesmo solitário.

Ainda hoje há quem pense que eu fiz faculdade e me formei porque sempre fui inteligente e estudiosa. Isso nunca foi verdade para mim. Sempre carreguei um poço de medo e insegurança comigo. O contrário não seria natural. Quando se adentra no desconhecido, medo e insegurança são os primeiros sentimentos. A verdade para mim sempre foi que eu fiz o que fiz, cheguei onde cheguei, porque tive medo de não ser, medo de não viver.

Não ser alguém que escolhe os caminhos. Não ser alguém que busca a felicidade. Não ser alguém que encara os medos. Não ser alguém que abraça o amor, mesmo com os riscos.

Quase mais de 3 décadas e a jornada está longe de terminar. Eu cumpri com uma primeira parte do caminho: a de sair do lugar, a de construir mais possibilidades que as postas socialmente para mim até então. E isso levou um pouco mais de dez anos. rsrs

Hoje, estou noutra parte. Na parte de construir o lugar em que quero estar, a pessoa que eu quero ser. [Talvez, a parte mais difícil...]

O medo ainda me acompanha. Às vezes ele se agiganta, às vezes me escapa, às vezes se esconde. Depois de uma certa idade, a gente não tem mais rede de proteção e recomeçar pode ser tarefa quase impossível. Com certeza, tarefa não menos que árdua e dolorosa. Por isso, tanta gente presa no lugar da infelicidade. Requer trabalho, força, criatividade, coragem e apoio para nos movermos na direção do improvável.

Não há segredos ou truques. Às vezes, a gente corta na própria carne. Às vezes alguém embarca com a gente. Noutras, as pessoas acreditam em você porque isso faz com que elas acreditem em si mesmas também. E você acredita em si porque elas acreditam em você. A gente cai, dá a cara a tapa, põe a mão no fogo, chora. Mas a gente também ri, se satisfaz, se envaidece, tem esperança e segue.

Que nenhum medo nos paralise, que os desejos nos movam sempre.


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Ouro de tolo é quase um hino que me lembra que a gente devia ser mais que sobreviventes.



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