quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Porque a morte chegou perto de verdade dessa vez.

No primeiro dia do ano, ele se foi.
Já havia alguns bons anos que não convivíamos mais. Eu cresci e sempre senti que não soubemos nos encontrarmos como adultos.
Quando a notícia de sua internação no hospital veio, me dei conta que tudo o que eu sabia sobre ele era de um ponto de vista ingênuo e infantil. Não era a Silvana que podia falar do seu padrinho, mas a Nana e somente ela. Tive medo, me senti irresponsável, boba.
Quando nos reencontramos no hospital e conversamos, fiquei pensando que ele era um adulto bem diferente do que eu supunha. Fiquei pensando que gostaria de ter podido conversar mais com ele antes, pois tínhamos algumas opiniões próximas.
Descobri nele uma dignidade que sempre havia me escapado antes.
Quando ele foi para o CTI, eu senti que seu corpo já não podia carregar mais a couraça de integridade, dignidade e força, que ele arrastou por toda a vida. A cabeça ainda era das mais lúcidas, mas o corpo tem seu próprio tempo, não é mesmo?
Foi a primeira vez que a morte chegou mesmo perto de mim, passou raspando. E o cheiro que ela deixou foi de alívio e agradecimento. Poupou-o de exaurir também a mente. Há muita paz num descanso.

Mas de todas as coisas que consigo pensar sobre ele, de lembrar dele, a mais forte e a que mais tem significado para mim reside numa frase simples: "À benção, Nana?". Quando eu era pequena, sofria com essa história de pedir benção. Eu nunca lembrava de pedir e quando lembrava, me embananava toda com as frases. Às vezes eu trocava a ordem de resposta e pergunta. Meu Dindo achava graça. Ele sempre ria. Um dia, vendo que aquilo era mesmo tarefa árdua para mim, decidiu que ele é quem me pediria a benção e, assim, eu passei a abençoá-lo cada vez que nos víamos. Esse gesto muito singelo foi um dos mais significativos, pois ninguém se interessa muito sobre os desejos de uma criança; o que ela quer quase nunca importa, sobretudo no que tange as tradições e costumes. Pouco importa se algo daquilo diz alguma coisa para ela, ela só deve aceitar e reproduzir. Mas o que ele fez foi respeitar meus limites, ser generoso e não expô-los cada vez. Eu não tinha a menor vontade de pedir benção, mas dá-la era como um gesto de generosidade. E eu ficava mesmo satisfeita de fazê-lo porque não era mais uma obrigação. E, pensando agora, talvez essa tenha sido a primeira lição que eu recebi de subversão da ordem e da capacidade que a gente tem pra mudar as coisas.

Osmar dos Reis para os desconhecidos. Célio para os próximos. Dindo, para mim.
Deus te abençoe!

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