quarta-feira, 1 de abril de 2020

Porque cresci numa casa com piscina e aprendi a mergulhar

Prestes a completar 7 anos, minha família e eu nos mudamos para a nossa casa. Meu pai já tinha construído metade da casa e ela estava, mesmo incompleta, apta a nos abrigar. A casa tinha dois projetos muito particulares: a oficina do meu pai e a piscina. A oficina era uma necessidade imperativa já que meu pai é mestre de obras e precisava de um lugar para trabalhar e guardar toda a sua parafernália - que ia desde as ferramentas mais básicas até a lateral de uma Brasília amarela. Quando nos mudamos, a oficina já estava pronta. Já a piscina... A piscina é outra história.

Para muitas famílias pobres ter uma piscina em casa, ainda mais não sendo de plástico, é um luxo. Para nós, eu e meus irmãos, era também. Quando nos mudamos, a piscina já estava construída, mas sem acabamento. Até então, creio que eu só havia tomado banho de piscina 1 ou 2 vezes na casa do namorado da minha madrinha. E era uma senhora piscina. Como a nossa ainda não estava pronta, cada avanço na obra era acompanhado de muita ansiedade. A banheira de ferro que tínhamos desde a casa velha, ficava cada vez mais apertada para 3 crianças se refrescarem no calor do RJ. Nós só queríamos nos divertir.

No dia em que o meu pai já tinha terminado de colocar todos os azulejos, mesmo sem o rejunte ainda devidamente instalado, ele liberou a gente de brincar na piscina. Devido às condições, ele a encheu só um pouco, só pra cobrir o fundo. E nós ficamos felizes da vida, brincando de escorregar. Eu tenho uma cicatriz no queixo fruto dessa felicidade. 

Mas e meu pai? Por que se empenhar nesse projeto de luxo com metade de uma casa para terminar? Meu pai cresceu tomando banho de rio. Ter uma piscina era como ter, de algum modo, um pedacinho da própria história nessa terra que ele nem ousava ficar mais que 3  anos. Talvez a piscina pra ele fosse o exato oposto de um luxo, fosse uma necessidade de existência. 

Pra mim, a piscina era a principal diversão das férias. Só saímos dela pra comer e ir ao banheiro, de manhã até a noite éramos só água. Eu gostava de boiar e ficar à deriva, gostava de mergulhar e sentir como a gente é leve na água. Gostava de ficar no fundo e me sentir imersa, completamente envolvida. Nadar pra mim é como um estágio de meditação, de estar só comigo mesma. Andar de bicicleta também. As duas principais atividades da minha infância.

Mas e daí que eu tive piscina em casa? E daí que eu aprendi a mergulhar. Daí que às vezes eu carrego todo esse sentimento de imersão, de profundidade, de densidade comigo. Às vezes a minha resposta pro mundo é intensa, mais do que a situação exige porque é assim que me sinto também. Imersa, profunda naquilo que poderia ser só superficial. Porque também me interessa no mundo o que não é dado, o que não é visível.  

Esses mergulhos nem sempre são relaxantes, como pode parecer. Às vezes me falta ar. Às vezes bate a paranoia do tubarão que vem te pegar, mesmo na piscina. Às vezes leva a uma emersão brusca e violenta.

 É um pouco difícil saber o equilíbrio do quão profundo se deve ir em determinadas coisas. Tenho tentado aprender.

Saudade de ter piscina em casa...

 

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