quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Receita romântica de série: faz sentido ser Emily?

 A nova temporada de Emily em Paris chegou e eu já a devorei, como faço com quase todas as séries que assisto. E é muito interessante como, mesmo com todas as mudanças tecnológicas e seu impacto no consumo por entretenimento, nada mudou na criação das representações dos dilemas românticos. Terminei a temporada pensando em como os motes para os encontros e desencontros são todos frutos de gestos de imaturidade emocional como, por exemplo, amando alguém com quem não se pode ficar e nem se desvencilhar, assumir um relacionamento com outra pessoa, envolvê-la com o amado anterior e sequer mencionar que já houve uma história. Um total de zero responsabilidade com as emoções do outro e as de si mesma. E por um instante, uma fração de segundos, pensei que talvez isso fosse necessário para fazer a história render. Mas ora bolas conviver com alguém pelo qual você está perdidamente apaixonada sem poder viver esse sentimento plenamente já rende muita coisa. É horrível, doloroso, exige maturidade para você ter senso de autopreservação, para lidar com a rejeição e seguir em frente etc. etc. Mas continuamos aprendendo na TV, no cinema, nos streams, que o caminho a ser feito é o do terrível fácil que se desenrola em sofrimento e bagunça até que haverá, em algum momento, um felizes para sempre. Mas na vida real, muitas vezes o final é só sofrimento e isso nem deveria ser surpreendente se ao longo do caminho tudo foi feito atropelado. A vida é cheia de complexidade e reduzir isso nos aprisiona num lugar infantil em que não criamos recursos para lidar com a dor, com a rejeição, com o interdito do desejo, com as emoções múltiplas, com as diferenças numa relação.

A vida já nos fornece camadas demais para lidar sem que seja fruto de irresponsabilidade emocional. Veja meu caso:

Saio com alguém por quem tenho apreço, carinho e desejo sexual, mas não interesse em manter um relacionamento imediato. Ao longo do processo de nos conhecermos, percebi que parte da personalidade dessa pessoa me gera gatilhos emocionais, coisas que estão enraizadas na minha relação com meu pai. Ao lado disso, nutro uma relação de amizade com alguém que sinto imensa admiração e carinho, uma relação que alimenta um desejo de companhia (afetiva, certamente; sexual? não sei). E, vivendo tudo isso, estou em contato com o luto da perda da amizade que tinha com um ex-amor, que foi vivido tão intensamente e feliz que é, até então, meu parâmetro do que espero construir num relacionamento com outra pessoa. Há dias, como hoje, que sinto uma saudade aguda dessa pessoa, do que tivemos em particular e do tipo de relação que desejo vorazmente. 

É demais, mas está tudo aqui e eu preciso aprender a lidar com isso de um modo responsável. Se fosse seguir a receita da série: eu oficializaria um namoro com o ficante, me sentiria fragilizada toda vez que os gatilhos aparecessem e buscaria consolo e proximidade com o amigo, que acabaria virando um amante e tudo isso desejando mesmo o ex-namorado. Percebem que isso só pode terminar em felicidade na ficção? 

É absolutamente aterrorizante chegar aqui e não ter uma conclusão, um conselho, uma receita do que fazer. Mas é ainda mais horripilante pensar que podemos seguir nossas vidas dificultando ela por falta de referência, de consciências das suas próprias emoções. Não desejo nada para mim que se pareça com a série. Como todo mundo, desejo um amor livre e leve feito brisa, mas sem transformar a mim e aos outros ao redor em cacos pelo caminho.

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